terça-feira, 8 de março de 2011

Dilema de um Amigo Ecologista


Um amigo me contou que foi convidado para assumir a superintendência do órgão ambiental de seu Estado. Apesar de atuar na área há muitos anos e possuir um excelente currículo, ele rejeitou sumariamente a proposta. Eu quis saber o porquê, afinal de contas se tratava de uma pessoa com vasta experiência prática e teórica no assunto, e que certamente poderia contribuir para o amadurecimento e a efetivação das políticas públicas na área de meio ambiente. Contudo, a resposta dele me surpreendeu ainda mais do que a negativa:

– Metade do que eu defendo é impraticável, ao menos no contexto atual em que se encontra a sociedade. Logo, se assumir um cargo dessa relevância eu não conseguirei colocar em prática o que defendo, de maneira que terei de pedir exoneração. Isso implica dizer que mais pessoas deixarão de acreditar que a utopia é possível, o que seria muito ruim para o movimento ambientalista. Alguém tem que defender o impossível para que o mundo avance na medida do possível. Além do mais, o que é impossível hoje talvez não seja amanhã, desde que o sonho continue a ser cultivado.

É claro que o formato do diálogo foi recriado por mim, a partir das lembranças da nossa conversa, e que por uma questão de ética eu não posso fazer nenhuma referência a esse amigo, como nome, Estado de origem ou sexo. De qualquer forma, isso me fez questionar o que seria melhor para o meio ambiente: atuar agora promovendo as modificações necessárias na medida do possível, ou defender a utopia com o intuito de promover a médio e longo prazo mudanças mais profundas na consciência da coletividade? Minha preferência é realmente pela primeira opção, já que os problemas do presente devem ser enfrentados no presente. Contudo, se alguém tiver a comprovação definitiva de qual escolha é a resposta correta, que faça a gentileza de informar.

domingo, 6 de março de 2011

Agradecimentos aos Amigos


Eu gostaria de agradecer a todos os amigos que me enviaram e-mails, que deixaram mensagens no celular ou no facebook ou que me telefonaram por ocasião do meu aniversário. Essas demonstrações de atenção e carinho me deixaram tão emocionado, que até agora não consegui responder individualmente às felicitações. Contudo, é só por causa dos amigos que a vida vale a pena, sendo a amizade verdadeira um patrimônio valiosíssimo. Eu agradeço a todos os que se lembraram de mim e que me desejaram felicidades, retribuindo esses votos com igual intensidade. Como dizia o poeta Mário Quintana, “a amizade é um amor que nunca morre”.

sábado, 5 de março de 2011

20 Anos de Encontro para a Nova Consciência: um Patrimônio de Campina Grande


Faz mais de vinte anos que um certo grupo em Campina Grande, na Paraíba, que entre outros incluía a promotora de eventos Íris Medeiros de Azevedo, o advogado Elianildo Nascimento e o psiquiatra Edmundo de Oliveira Gaudêncio, idealizou uma opção diferente para a cidade no período de carnaval. Ao invés dos tradicionais trios elétricos e blocos de carnaval, foi proposta ao então prefeito e hoje governador do Estado Cássio Cunha Lima a realização de um evento em que as mais variadas idéias e crenças religiosas, filosóficas ou científicas fossem expostas e debatidas livremente.

Indubitavelmente, a proposta era ousada. É claro que o evento serviria para preencher uma lacuna, já que havia tempos que a cidade não oferecia nenhum qualquer tipo de festa durante o carnaval e nem parecia ter vocação para fazê-lo. Por outro lado, investir em um acontecimento que de maneira alguma parecia ser capaz de envolver grandes multidões não perecia uma decisão acertada do ponto de vista político. A despeito disso, o então prefeito aceitou correr o risco e incluiu desde àquela época o Encontro Para a Nova Consciência no calendário oficial de eventos do Município.

Assim, com o intuito de promover discussões e reflexões acerca dos problemas sociais, éticos e espirituais dos seres humanos, fazendo uma espécie de contraponto às folias carnavalescas, surgiu o Encontro Para a Nova Consciência. O evento pode ser considerado ecumênico apenas se a palavra ecumenismo for tomada na acepção mais ampla, que tem o sentido de universalidade, visto ser enorme a diversidade de religiões, seitas, filosofias, terapias alternativas e correntes de pensamento. Trata-se simplesmente de um fórum para a troca de idéias e experiências, inexistindo qualquer intenção de convertimento ou de cooptação.

São católicos, protestantes, espíritas, índios, umbandistas, hare-krishnas, bruxas da Wicca, sufistas, budistas, praticantes de yôga e de tai-chi-chuan, físicos quânticos, sociólogos, antropólogos, ecologistas, cientistas, daimistas, rastafaris, educadores, xamãs, curandeiros, ufólogos, médicos naturalistas, escritores, artistas plásticos, músicos, militantes de direitos humanos e até ateus e agnósticos que acreditam na importância de cultivar o diálogo. Um retrato que ficou marcado dessa atmosfera harmônica ocorreu quando no ano de 2000 o judeu Benne Shannon e o mulçumano Sheikh Muhammad Ragip juntos deram as mãos e oraram pela paz na palestina, levando a platéia às lágrimas.

Os discursos podem não ser os mesmos, mas a idéia de que a paz é mais importante do que qualquer diferença e de que se deve acreditar na evolução do ser humano sempre prevalece. Nomes como o do teólogo Leonardo Boff, o do psicólogo Pierre Weil, o do escritor e mago Paulo Coelho, o do tradutor Mansour Chalitta, o do escritor e músico Bráulio Tavares, o da militante feminista Rose Marie Muraro, o do professor de yôga Hermógenes e o do militante indígena Marcos Terena, somente para citar alguns, ressaltam o alto nível do evento que no ano passado chegou a ser matéria principal de uma edição do Fantástico, o programa semanal mais importante da Rede Globo, entre tantas outras matérias divulgadas pela imprensa nacional.

Desde a primeira edição a sociedade civil se fez amplamente representada por meio de vários movimentos e associações, a exemplo das de negros, de ecologistas, de profissionais do sexo e de povos indígenas. A problemática social e econômica sempre foi objeto de inúmeras discussões, abarcando temas como violência, fome, alcoolismo e drogas. Sob certo aspecto o Encontro para a Nova Consciência precedeu o Fórum Social Mundial (respeitadas evidentemente as proporções devidas), visto que a procura por um mundo onde a vida humana e a vida como um todo seja de fato valorizada é o objetivo comum de ambos os eventos. Essa procura implica necessariamente em uma reação contra a exploração insustentável do homem e do planeta pelo próprio homem, fenômeno que tem sido acentuado enormemente pelo capitalismo do mercado de capitais e pela globalização.

A grandeza está também nos mais de vinte eventos que acontecem paralelamente ao Encontro Para a Nova Consciência na parte da manhã e da tarde –visto que à noite sempre ocorrem as palestras mais aguardadas – e que contam com a participação de praticamente todas as linhas e grupos de pensamento participantes. O Encontro da Comunidade Católica e o Movimento de Integração do Espírita Paraibano, que são eventos dentro da programação do Encontro, alcançam de per si um público gigantesco. Há cursos de todas as artes e terapias envolvidas, como reiki, I ching, meditação, passes mágicos, quiromancia, fitoterapia, florais, renascimento, cura quântica, calendário maia, reflexologia etc, sendo estes a única coisa pela qual se cobra no evento.

Outro ponto de destaque é a Feirinha Esotérica, que acontece do lado de fora do Teatro. São diversos estandes para a venda de roupas, cristais, livros novos e usados, discos, CDs, massagens, remédios naturais, pirâmides, comida, mapa astral e artesanato. Lá ocorrem também exposições de pinturas, gravuras e fotografias e demonstrações de grupos de balé, teatro popular, tai-chi-chuan, capoeira e maracatu, sem mencionar a mostra de cinema que acontece ao final da tarde. Depois das palestras da noite ocorrem os shows dos mais variados ritmos, a exemplo de rock, reggue, forró, blues e mpb, já tendo participado nomes como Cátia de França, Fubá, Nando Cordel, Geraldo Azevedo, Siba da Fuloresta, Cabruêra, Bastianas e Lea Fabris.

Ao longo das treze edições do evento tanto a Prefeitura quanto a iniciativa privada tem se surpreendido com o número de pessoas que visitam a cidade nesse período. Com efeito, a cada ano a freqüência dos shoppings, dos restaurantes e, especialmente, dos hotéis aumenta de forma considerável, principalmente quando comparada ao período anterior à existência do Encontro. A maioria dos visitantes é de Estados vizinhos, como Ceará, Pernambuco e Rio Grande do Norte, mas há pessoas vindas de todos os recantos do país e até do exterior. Uma prova disso é que o local onde o evento se passa, o Teatro Severino Cabral, não comporta mais tanta gente, sendo necessária a colocação de um telão e de mil e quinhentas cadeiras a mais do lado de fora.

O fato de uma cidade de porte médio, situada em plena porta do semi-árido nordestino, sediar um evento inovador e ousado como esse não surpreende aos que conhecem a história de Campina Grande. O pioneirismo parece ser uma marca da Rainha da Borborema, cidade que, embora nascida longe dos já poucos reservatórios de água em uma região geograficamente adversa, soube se tornar um pólo comercial e industrial local em muitos aspectos. É conhecida até internacionalmente como um centro de desenvolvimento de softwares e de outras tecnologias aplicadas à indústria e à agricultura de um modo geral, a exemplo do algodão colorido, além de ser um dos centros universitários regionais mais respeitados. Inclusive, por causa dessa tradição vanguardista o Ministro da Cultura Gilberto Gil apelidou a cidade de “Nova Iorque em miniatura”.

Como se vê, é um evento original e de alto nível, nascido e idealizado na própria Campina Grande. Naturalmente isso não sobreviveu a vinte anos de vida sem dificuldades mirabolantes, a exemplo da falta de verba e da falta de prioridade política. Entretanto, este foi de todos o ano de maiores dificuldades, a ponto de colocar em dúvida a existência do Encontro para o próximo ano. Por isso, a comissão organizadora criou uma organização não governamental com o objetivo de salvaguardar o evento de eventuais tempestades políticas. Nesse sentido é preciso que o Poder Público local e a iniciativa privada trabalhem conjuntamente para evitar qualquer ameaça de não continuidade ou de migração do evento, pois o Encontro Para a Nova Consciência é e deve continuar sendo um patrimônio cultural e uma marca de Campina Grande e da Paraíba.

sexta-feira, 4 de março de 2011

"Amizade e Direitos Humanos" - Eduardo Ramalho Rabenhorst


O texto abaixo foi escrito por Eduardo Ramalho Rabenhorst, professor de Filosofia Jurídica do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal da Paraíba, no seu blog intitulado "Modos de dizer o mundo". Na época eu gostei tanto da forma carinhosa e original como o tema foi tratado que salvei o artigo e o repassei aos amigos mais próximos. De fato, amizade e direitos humanos têm muito em comum, apesar das poucas abordagens a respeito. Eu considero que um dos maiores patrimônios de um ser humano são suas amizades, e que por isso devemos preservá-las e regá-las continuamente. O poeta gaúcho Mário Quintana escreveu que "A amizade é um amor que nunca morre", e eu tenho certeza de que ele está certo. Eu gostaria de dedicar esta postagem aos meus amigos, aqueles que estão ao meu lado nos momentos bons e maus e que torcem pelo meu êxito, porque eu os amo realmente. Eis, finalmente, o texto:

AMIZADE E DIREITOS HUMANOS
Eduardo Ramalho Rabenhorst

Pode parecer estranho tentar estabelecer uma relação entre dois universos aparentemente tão distantes. Afinal, onde poderia se encontrar o nexo entre a amizade e os direitos humanos? Creio que o estranhamento inicial pode ser dissipado se lembrarmos que a amizade é uma paixão fundamental que conserva juntos os seres humanos. Dessa forma, a amizade apresenta-se como uma das dimensões do amor. Aliás, os gregos chamavam a amizade de philia, ou seja, uma espécie de sentimento de simpatia e de afeição mútua entre dois indivíduos. Para eles, a amizade não se confundia com duas outras modalidades de expressão do desejo de fusão interpessoal, a saber, o amor parental (ágape) e o amor erótico (eros).

De fato, o amor parental é um sentimento espontâneo que liga de forma incondicional nossas vidas a vida dos nossos filhos. Como tal, ele independe do próprio valor de seu objeto. Amamos nossos filhos não pelo o que eles valem – e por vezes, para nosso desespero, eles não valem muita coisa – mas por sua própria natureza, isto é, pelo simples fato de que eles integram nossa própria existência. Daí o caráter abnegado e altruísta desta modalidade de afeto. Não exigimos retribuição alguma. Satisfazemo-nos, por vezes, com um simples sorriso.

A amizade também não se confunde com o amor erótico, pois independe de toda sexualidade. A propósito, em contraste com o amor parental que se caracteriza por uma fusão espontânea, o amor erótico vem a ser exatamente o desejo de obter essa fusão com uma outra pessoa. Logo, ao contrário do amor parental, o amor erótico não é a fusão propriamente dita, mas a busca desesperada por ela. E como só buscamos aquilo que nos falta, podemos concluir como faz Platão no seu Banquete, que o amor erótico caracteriza-se, antes de tudo, por sua imperfeição.

Certamente todos lembram aqui da estória que Platão nos conta sobre o nascimento de Eros, o deus do amor. Quando Afrodite nasceu, os deuses do Olimpo decidiram celebrar o acontecimento oferecendo um banquete. Entretanto, não convidaram Penúria, deusa da pobreza, que no decorrer do evento, sentou-se junto à porta para mendigar os sobejos. Nesse momento, Engenho, deus da abundância, embriagado pelo néctar que havia bebido, saiu para o jardim e adormeceu. Penúria aproveitou o ensejo, deitou-se com ele concebeu Eros. Tal foi o nascimento do amor, fruto do encontro entre a pobreza e a abundância.

O que Platão pretende demonstrar com esta estória é o caráter ambivalente e irrealizável do amor erótico: abundante, por um lado, pobre e miserável por outro, pois cada vez que aliviamos o desejo sexual, caímos no vazio e passamos a desejar novamente, enveredando assim numa busca incessante que nos angustia. Daí a tensão trágica do amor erótico tão bem retratada no Banquete: “Por natureza, o amor não é mortal, nem imortal, mas, num só dia, tão depressa se encontra pleno de vigor e belo, vivendo na abundância, como tão depressa morre (...) O que adquire escapa-lhe sem cessar, de maneira que nunca se encontra, nem na pobreza, nem na opulência”.

A estória contada por Platão pode nos ajudar a compreender porque a amizade difere tanto do amor parental quanto do amor erótico. Em contraste com o primeiro, o amor fraterno não é espontâneo, mas resulta de uma decisão (o que me faz lembrar a famosa frase de Aristóteles tão citada nos blogs de adolescentes da internet: “É o destino que nos dá a nossa família, mas somos nós que escolhemos os amigos”).

No mais, enquanto o amor parental se caracteriza pela desigualdade natural existente entre os pais e os filhos, o amor fraterno é o amor entre iguais. Da mesma forma, diferentemente do amor erótico que busca exclusividade, a amizade deseja estabelecer uma fusão com todos os seres humanos. Em seguida, podemos dizer que, contrariando ao mesmo tempo o amor parental e o amor erótico, o amor fraterno não é fusão, mas repartição, pois, como já havia observado Montaigne, “na verdadeira amizade dou-me ao meu amigo mais do que dele quero para mim”. Por fim, das três modalidades de amor, a amizade é aquela que mais revela a dimensão humana: de alguma forma, compartilhamos com os animais o afeto pelos descendentes e os impulsos sexuais. Contudo, a amizade é tipicamente humana, já que ela resulta de uma atitude voluntária e reflexiva.

Podemos definir a amizade como o sentimento de respeito, responsabilidade e cuidado por qualquer outro ser humano. Logo, a verdadeira amizade transmite os limites da individualidade; trata-se de um afeto pela humanidade como um todo. Ora, é exatamente esta pretensão de universalidade que liga a amizade aos direitos humanos. Afinal, o que pode servir de fundamento para a idéia de direitos humanos senão o fato de que todos os seres humanos são iguais e devem ser tratados com respeito? E a raiz da palavra respeito, convém lembrar, é respicere, isto é, “olhar para”. Respeitamos alguém quando contemplamos o outro como congênere; quando deixamos surgir, no nosso interior, a imagem dele ao mesmo tempo como um diferente e um igual.

Em certa ocasião escrevi um livro sobre a dignidade humana que, de certa forma, até hoje me persegue. Lá procurei mostrar que não existe uma maneira de se provar que todos os seres humanos são igualmente dignos. Nesse sentido, acredito que a dignidade humana é uma crença que não pode ser justificada plenamente. Entretanto, não se trata de uma crença arbitrária. Afinal, toda ética começa por um princípio de reconhecimento. Daí a simpatia que nutro com relação às idéias de um filósofo judeu, Emmanuel Levinas, que afirma ser o rosto do outro o elemento que permite o reconhecimento de minha própria identidade. Ou nas próprias palavras de Levinas: “É apenas quando abordo o Outro que assisto a mim mesmo”. Através do rosto, percebo, de imediato, o caráter sagrado e inviolável de cada ser humano.

Como a amizade, os direitos humanos precisam ser cultivados, pois, se por um lado, é bem verdade que tais direitos passaram a se constituir em exigências que constrangem cada vez mais a própria maneira como nos percebemos enquanto cidadãos e mesmo como membros da espécie humana, por outro, não existe qualquer garantia de que este importante patrimônio moral da humanidade permaneça intocado.

Todos os dias recebemos de diversas partes do mundo, notícias sobre graves violações e ameaças aos direitos humanos. No nosso país, parte da mídia continua a incutir a idéia de que os militantes dos direitos humanos não passam de defensores de bandidos. Daí a importância da educação em direitos humanos, concebida não como a simples introdução de um conteúdo temático sobre esses direitos nos programas escolares ou universitários, mas essencialmente como um meio capaz de proporcionar o respeito pelas pessoas. Só assim conseguiremos construir uma verdadeira cultura dos direitos humanos, dessa feita em sentido antropológico mesmo, isto é, como um conjunto e valores e concepções sobre a dignidade dos seres humanos.

Gostaria de lembrar também que da mesma forma como acontece com os direitos humanos, a amizade é tende a ser percebida de maneira enganosa e equivocada. Em primeiro lugar porque numa sociedade como a nossa, centrada no valor da utilidade, amigos parecem ser simplesmente aqueles que nos proporcionam vantagens recíprocas. Ora, no século XVI, Etienne de La Boétie já advertia: Entre os maus, quando se juntam, há uma conspiração, não sociedade. Não se apóiam mutuamente, mas temem-se mutuamente. Não são amigos, são cúmplices.

Por outro lado, vivemos uma época que hipervaloriza a interioridade dos indivíduos em detrimento das formas de relacionamento voltadas para o espaço público. Isso nos impele de perceber a amizade de forma limitada, como ligação a uma só pessoa ou um grupo de pessoas e não à humanidade como um todo. Assim, esquecemos algo fundamental: que um mundo sem espaço para a amizade, concebida como reconhecimento de que somos, todos, irmãos, não merece, como bem dizia Espinoza, “o nome de cidade, mas antes o de solidão”.

Devemos, portanto, ampliar a nossa visão da tradicional da amizade vislumbrando-a da maneira mais ampla possível, isto é, como possibilidade de construção de uma fraternidade mundial. Conforme bem escreve Fernando Savater, a maior vantagem que podemos obter de nossos semelhantes não é a posse de mais coisas, mas a cumplicidade e o afeto de mais seres livres. Quem sabe assim, conseguiremos, ao mesmo tempo, humanizar o mundo e tornarmo-nos verdadeiramente humanos. E talvez alguém aqui se pergunte: mas, afinal, para que serve isso. Por que devemos tratar os outros com respeito? O mesmo Savater responde: Não serve para nada. Afinal, só os servos servem e não estamos falando aqui de escravos, mas de seres livres. Seres que compreendem que a liberdade não serve e não gosta de ser servida.