segunda-feira, 23 de novembro de 2015

O desastre da Samarco (e da Vale e da BHP)



É evidente que cabe à Samarco arcar com todos os gastos relacionados à degradação causada pelo rompimento de sua barragem de rejeitos, seja com compensação, indenização ou recuperação. A responsabilidade civil em matéria ambiental no Brasil é objetiva, de maneira que o empreendedor assume integralmente o risco pela degradação a ser causada. Isso implica dizer que o prejuízo dos gastos da Defesa Civil, da interrupção do abastecimento público e da perda do trabalho dos pescadores, por exemplo, deve ser pago pela empresa e unicamente por ela.

Ao contrário do que defendem alguns, a Administração Pública não é uma seguradora universal da atividade econômica. Desejar que o Estado banque o estrago é querer lesar a coletividade duas vezes: a primeira quando da ocorrência do dano ambiental, a segundo com a lesão aos cofres públicos. Seria uma espécie de capitalismo para os lucros e comunismo para as despesas. Daí a necessidade de cautela para evitar que a coletividade e o Estado arquem não sejam reparados e restituídos.

Impende dizer que a Constituição Federal dispõe sobre a responsabilidade ambiental das atividades econômicas de maneira geral, sendo a mineração o único segmento econômico tratado à parte, haja vista o que determina o § 2º do art. 225: “Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei”. O comum é que a degradação causada por essa atividade seja muito intensa, embora não atinja grandes extensões territoriais – quando comparado, por exemplo, com a agricultura ou a pecuária. Infelizmente, não foi isso que ocorreu nesse caso, cuja abrangência ainda demorará a ser identificada.

Se o sujeito se embriaga, dirige a acaba atropelando e matando alguém, a condenação por homicídio doloso é praticamente certa hoje em dia. Uma empresa mineradora não toma as medidas preventivas mínimas necessárias e termina causando um desastre ecológico sem proporções no país e no mundo, gerando também dezenas de mortes. A diferença entre um caso e outro é que o desastre da Samarco foi muito mais grave e muito mais irresponsável. É claro que já se sabia que a barragem estava prestes a se romper, bem como é claro que já se sabia que no caso de rompimento o estrago ambiental e humano seria sem fim! Se o crime não foi premeditado, ao menos se assumiu o risco de causar a morte de pessoas, do rio e de todo um ecossistema.

Se fosse uma empresa sem fortes ramificações políticas é evidente que o seu diretor e demais responsáveis a essa altura não já estariam presos, ainda que o dano fosse menor. O que se vê, no entanto, é o tratamento cuidadoso de políticos da situação e da oposição, que mais parecem preocupados com quem lhe financia do que com os familiares dos mortos e desassistidos. O assunto também é tratado de forma suavizada pela maior parte da grande mídia, que desde o começo procurou desvincular as obvias conexões empresarias ao chamar o caso de acidente de Mariana. Que acidente de Mariana que nada, a situação tem nome e sobrenome: o nome é Samarco e o sobrenome é Vale e BHP, suas proprietárias! Não se entende porque se fala em lama e não em lixo tóxico ou pelo menos em lama tóxica.


Essa discussão relacionando o desastre da Samarco à privatização da Vale é inoportuna. Empresas públicas ou privadas podem causar desastres ambientais, o que acontece no Brasil e nos demais países. (A diferença talvez seja que no Brasil os políticos e a imprensa se preocupam muito mais em resguardar a iniciativa privada do que o patrimônio público. Se a lesão tivesse sido causada pela Petrobrás a postura certamente seria outra). A propósito, danos ambientais de grandes proporções aconteceram e acontecem tanto em países de economia capitalista quanto de inspiração comunista. O importante é aprendermos com a situação para que de agora em diante desastres como esse não venham a ocorrer mais, porque somente a prevenção pode garantir a efetividade do direito ao meio ambiente equilibrado.