sábado, 5 de março de 2011
20 Anos de Encontro para a Nova Consciência: um Patrimônio de Campina Grande
Faz mais de vinte anos que um certo grupo em Campina Grande, na Paraíba, que entre outros incluía a promotora de eventos Íris Medeiros de Azevedo, o advogado Elianildo Nascimento e o psiquiatra Edmundo de Oliveira Gaudêncio, idealizou uma opção diferente para a cidade no período de carnaval. Ao invés dos tradicionais trios elétricos e blocos de carnaval, foi proposta ao então prefeito e hoje governador do Estado Cássio Cunha Lima a realização de um evento em que as mais variadas idéias e crenças religiosas, filosóficas ou científicas fossem expostas e debatidas livremente.
Indubitavelmente, a proposta era ousada. É claro que o evento serviria para preencher uma lacuna, já que havia tempos que a cidade não oferecia nenhum qualquer tipo de festa durante o carnaval e nem parecia ter vocação para fazê-lo. Por outro lado, investir em um acontecimento que de maneira alguma parecia ser capaz de envolver grandes multidões não perecia uma decisão acertada do ponto de vista político. A despeito disso, o então prefeito aceitou correr o risco e incluiu desde àquela época o Encontro Para a Nova Consciência no calendário oficial de eventos do Município.
Assim, com o intuito de promover discussões e reflexões acerca dos problemas sociais, éticos e espirituais dos seres humanos, fazendo uma espécie de contraponto às folias carnavalescas, surgiu o Encontro Para a Nova Consciência. O evento pode ser considerado ecumênico apenas se a palavra ecumenismo for tomada na acepção mais ampla, que tem o sentido de universalidade, visto ser enorme a diversidade de religiões, seitas, filosofias, terapias alternativas e correntes de pensamento. Trata-se simplesmente de um fórum para a troca de idéias e experiências, inexistindo qualquer intenção de convertimento ou de cooptação.
São católicos, protestantes, espíritas, índios, umbandistas, hare-krishnas, bruxas da Wicca, sufistas, budistas, praticantes de yôga e de tai-chi-chuan, físicos quânticos, sociólogos, antropólogos, ecologistas, cientistas, daimistas, rastafaris, educadores, xamãs, curandeiros, ufólogos, médicos naturalistas, escritores, artistas plásticos, músicos, militantes de direitos humanos e até ateus e agnósticos que acreditam na importância de cultivar o diálogo. Um retrato que ficou marcado dessa atmosfera harmônica ocorreu quando no ano de 2000 o judeu Benne Shannon e o mulçumano Sheikh Muhammad Ragip juntos deram as mãos e oraram pela paz na palestina, levando a platéia às lágrimas.
Os discursos podem não ser os mesmos, mas a idéia de que a paz é mais importante do que qualquer diferença e de que se deve acreditar na evolução do ser humano sempre prevalece. Nomes como o do teólogo Leonardo Boff, o do psicólogo Pierre Weil, o do escritor e mago Paulo Coelho, o do tradutor Mansour Chalitta, o do escritor e músico Bráulio Tavares, o da militante feminista Rose Marie Muraro, o do professor de yôga Hermógenes e o do militante indígena Marcos Terena, somente para citar alguns, ressaltam o alto nível do evento que no ano passado chegou a ser matéria principal de uma edição do Fantástico, o programa semanal mais importante da Rede Globo, entre tantas outras matérias divulgadas pela imprensa nacional.
Desde a primeira edição a sociedade civil se fez amplamente representada por meio de vários movimentos e associações, a exemplo das de negros, de ecologistas, de profissionais do sexo e de povos indígenas. A problemática social e econômica sempre foi objeto de inúmeras discussões, abarcando temas como violência, fome, alcoolismo e drogas. Sob certo aspecto o Encontro para a Nova Consciência precedeu o Fórum Social Mundial (respeitadas evidentemente as proporções devidas), visto que a procura por um mundo onde a vida humana e a vida como um todo seja de fato valorizada é o objetivo comum de ambos os eventos. Essa procura implica necessariamente em uma reação contra a exploração insustentável do homem e do planeta pelo próprio homem, fenômeno que tem sido acentuado enormemente pelo capitalismo do mercado de capitais e pela globalização.
A grandeza está também nos mais de vinte eventos que acontecem paralelamente ao Encontro Para a Nova Consciência na parte da manhã e da tarde –visto que à noite sempre ocorrem as palestras mais aguardadas – e que contam com a participação de praticamente todas as linhas e grupos de pensamento participantes. O Encontro da Comunidade Católica e o Movimento de Integração do Espírita Paraibano, que são eventos dentro da programação do Encontro, alcançam de per si um público gigantesco. Há cursos de todas as artes e terapias envolvidas, como reiki, I ching, meditação, passes mágicos, quiromancia, fitoterapia, florais, renascimento, cura quântica, calendário maia, reflexologia etc, sendo estes a única coisa pela qual se cobra no evento.
Outro ponto de destaque é a Feirinha Esotérica, que acontece do lado de fora do Teatro. São diversos estandes para a venda de roupas, cristais, livros novos e usados, discos, CDs, massagens, remédios naturais, pirâmides, comida, mapa astral e artesanato. Lá ocorrem também exposições de pinturas, gravuras e fotografias e demonstrações de grupos de balé, teatro popular, tai-chi-chuan, capoeira e maracatu, sem mencionar a mostra de cinema que acontece ao final da tarde. Depois das palestras da noite ocorrem os shows dos mais variados ritmos, a exemplo de rock, reggue, forró, blues e mpb, já tendo participado nomes como Cátia de França, Fubá, Nando Cordel, Geraldo Azevedo, Siba da Fuloresta, Cabruêra, Bastianas e Lea Fabris.
Ao longo das treze edições do evento tanto a Prefeitura quanto a iniciativa privada tem se surpreendido com o número de pessoas que visitam a cidade nesse período. Com efeito, a cada ano a freqüência dos shoppings, dos restaurantes e, especialmente, dos hotéis aumenta de forma considerável, principalmente quando comparada ao período anterior à existência do Encontro. A maioria dos visitantes é de Estados vizinhos, como Ceará, Pernambuco e Rio Grande do Norte, mas há pessoas vindas de todos os recantos do país e até do exterior. Uma prova disso é que o local onde o evento se passa, o Teatro Severino Cabral, não comporta mais tanta gente, sendo necessária a colocação de um telão e de mil e quinhentas cadeiras a mais do lado de fora.
O fato de uma cidade de porte médio, situada em plena porta do semi-árido nordestino, sediar um evento inovador e ousado como esse não surpreende aos que conhecem a história de Campina Grande. O pioneirismo parece ser uma marca da Rainha da Borborema, cidade que, embora nascida longe dos já poucos reservatórios de água em uma região geograficamente adversa, soube se tornar um pólo comercial e industrial local em muitos aspectos. É conhecida até internacionalmente como um centro de desenvolvimento de softwares e de outras tecnologias aplicadas à indústria e à agricultura de um modo geral, a exemplo do algodão colorido, além de ser um dos centros universitários regionais mais respeitados. Inclusive, por causa dessa tradição vanguardista o Ministro da Cultura Gilberto Gil apelidou a cidade de “Nova Iorque em miniatura”.
Como se vê, é um evento original e de alto nível, nascido e idealizado na própria Campina Grande. Naturalmente isso não sobreviveu a vinte anos de vida sem dificuldades mirabolantes, a exemplo da falta de verba e da falta de prioridade política. Entretanto, este foi de todos o ano de maiores dificuldades, a ponto de colocar em dúvida a existência do Encontro para o próximo ano. Por isso, a comissão organizadora criou uma organização não governamental com o objetivo de salvaguardar o evento de eventuais tempestades políticas. Nesse sentido é preciso que o Poder Público local e a iniciativa privada trabalhem conjuntamente para evitar qualquer ameaça de não continuidade ou de migração do evento, pois o Encontro Para a Nova Consciência é e deve continuar sendo um patrimônio cultural e uma marca de Campina Grande e da Paraíba.
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