Nascido no dia 5 de julho de 1905 em São José dos Cordeiros, à época um simples povoado, na Paraíba, Drault Ernanny parecia fadado ao impossível. A infância em uma região paupérrima, onde freqüentes epidemias e secas pintavam de cinza a realidade, não poderia prever um futuro ao lado dos homens mais reluzentes do país e do mundo. Mas o fato é que, o garoto que fez uma retirada em 1919, no intuito de salvar ao menos parte do gado da família, e que costumava tirar água da cacimba e transportá-la de jumento, tornou-se um bem sucedido médico, político e empresário.
O próprio Drault Ernanny se achava uma espécie de “milagre do destino”. É que a mortalidade infantil no Nordeste do início do século atingia índices escatológicos, já que as condições de higiene e as técnicas de puericultura praticamente inexistiam. A mãe dele, inclusive, chegou a perder dezessete dos vinte e quatro filhos. Certo dia o avô aconselhou o pai dele a batizar os filhos com nome de cachorro, pois assim eles não somente sobreviveriam como se dariam bem na vida. De fato, foi o que aconteceu aos irmãos Adelgício, Drault, Joffre, Sadoc e Bivar. Outro folclore da infância de Drault diz respeito ao tempo em que ele era vendedor na feira de São João do Sabugi, no Rio Grande do Norte. Os mesmos terços e rosários eram vendidos por preços diferentes, custando os benzidos o dobro dos não benzidos. É claro que a população só comprava os primeiros, cuja benção ele mesmo tinha inventado.
Como estudante de medicina, no Rio de Janeiro, Drault Ernanny já começou a se destacar. No surto da febre amarela de 1926, trabalhou como mata mosquitos ao lado de médicos ilustres, como Miguel Couto e Clementino Fraga. Nessa época ele costumava vender cadáveres de tuberculosos anônimos a estudantes de Medicina desejosos de estudar anatomia. Após formado, ele fez fama ao criar polêmicos tratamentos contra a calvície ou para a perda ou o aumento de peso. Contudo, foi na condição de empreendedor corajoso que Drault Ernanny fez fortuna. Com a ajuda dos familiares de sua esposa, dona Myrian Chagas, ele fundou o Banco do Distrito Federal, que chegou a ser a sexta maior instituição privada do país no ramo.
Entrou na política em 1952 como suplente de senador de Assis Chateaubriand, tendo assumido este cargo quase tanto quanto o titular. No seu primeiro discurso no senado Drault Ernanny chamou a atenção de Getúlio Vargas ao defender com intransigência o monopólio estatal na exploração de petróleo, tese que defenderia ao longo de toda a vida. Em razão disso, ele foi convidado pelo Presidente a participar do núcleo do qual se originou a Petrobrás. Esse ideal lhe rendeu inúmeras inimizades, inclusive uma mágoa eterna de Chateaubriand que fazia coro ao forte lobby das empresas estrangeiras. Em 1954 e 58, ele foi eleito deputado federal também pela Paraíba, quando continuou insistentemente pregando a independência do país no setor energético.
Embora discordasse da abertura de concorrência das refinarias de petróleo para o setor privado, pois na opinião dele essa exploração caberia ao Estado, Drault Ernanny construiu a Refinaria de Manguinhos, no Rio de Janeiro, sem recorrer à moeda externa ou ao Banco do Brasil. As dificuldades foram imensas, porque de última hora as empresas fornecedoras de óleo cru — todas estrangeiras — boicotaram os pretendentes nacionais. Ele só venceu graças à ajuda do embaixador norte-americano Adolph Berle, que intercedeu em seu favor e por isso foi obrigado a deixar a nação. Com isso, o Brasil começou a caminhar passos próprios no setor energético e Drault passou a ter a admiração de esquerdistas e nacionalistas. Essa, na opinião dele, foi a grande obra de sua vida. Importa dizer que, conforme desejo dele manifestado no discurso de inauguração da Manguinhos, mais tarde a refinaria foi desapropriada e a indústria de refino passou a ser monopólio do Estado.
Ao longo dessa cruzada, a residência da família Ernanny tornou-se uma lenda. Conhecida como “Casa das Pedras”, o imóvel foi adquirido de uma americana que o construiu inspirada na casa de Scarlet O’Hara, do filme ...E o Vento Levou. Políticos, militares, artistas, empresários e intelectuais, não apenas do Brasil, freqüentaram essa mansão. Entre eles, cabe citar o astronauta russo Iuri Gagarin, o marechal inglês Arthur T. Harris (comandante da Força Aérea Inglesa durante a segunda guerra mundial) e a primeira dama da China, madame Chiang Kai-shek. Das décadas de 40 à 80, com exceção de Jango e Getúlio, todos os Presidentes da república estiveram lá. Ser convidado para ir a Casa das Pedras era sinônimo de prestígio. Nos bailes, almoços e jantares, em que se respirava no ar o glamour de uma época, muitas vezes o destino do país era decidido. Durante quarenta anos Drault Ernanny foi feliz ali, ao lado de sua esposa e de seus filhos, netos, bisnetos, amigos e parentes.
Apesar da influência e da fortuna, Drault Ernanny não renegou as raízes sertanejas. Manteve com o seu Estado natal, a Paraíba, uma relação muito além da política. O acervo do Museu de Arte Assis Chateaubriand (MAAC), em Campina Grande, por exemplo, teve em Drault o principal intermediador para a angariação das obras. Inclusive, o famoso quadro do pintor Pedro Américo foi uma doação pessoal dele. Vale salientar que se trata do museu mais importante do Nordeste em termos de acervo. Por causa disso, ele recebeu o título de cidadão campinense. Cultivou com igual zelo a amizade de pessoas humildes, como parentes distantes da zona rural que costumava visitar, e de pessoas importantes, como o empresário Aguinaldo Velloso da Silveira, o senador Rui Carneiro e o prefeito campinense Severino Cabral, pai de seu genro Milton Cabral, ex-senador e ex-governador da Paraíba.
Há dez anos Drault Ernanny faleceu. Já não morava mais na lendária Casa das Pedras, cenário onde artistas, empresários, militares e políticos importantes de todo o mundo desfilaram. A imprensa praticamente ignorou o fato, talvez involuntariamente duvidando que esse paraibano ousado pudesse morrer. De certo nem mesmo ele sabia o por quê de o destino ter reservado ao menino pobre tamanhas surpresas. A única explicação para isso seria o ditado nordestino que ele tanto repetia, segundo o qual “o que tem de ser pode muito”.
Observação: O artigo em questão foi escrito há dez anos, pouco tempo após o falecimento de Drault Ernanny, tendo sido publicado em alguns sites, a exemplo da OAB Seccional Paraíba (http://www.oabpb.org.br/) e do Paraíba on Line (http://www.paraibaonlinbe.com.br/). Ocorre que eu me lembrei desse texto ao conversar sobre Drault com um amigo e resolvi relê-lo, só que não o encontrei ao fazer a busca na Internet, sendo por esse motivo que resolvi republicá-lo.
Um homem simples do Nordeste, e como ele mesmo dizia, muito improvável de sobreviver à mortalidade infantil que grassava na sua região, e que entretanto, fez a sua notável fortuna, trabalhando !!! Lindo exemplo de ser humano!!!
ResponderExcluirPorém, em se tratando de um político desse nosso país querido e sofrido, com tanta corrupção, não acho nada notável: trabalhando ou roubando, eis a questão.
ResponderExcluirO livro é excelente.
ResponderExcluirEste comentário sobre corrupção é o que foi plantado pela TV Globo e pela Veja. Há terreno para germinar tão ruim planta.
Há um episódio genial no livro. Drault visitando o interior em campanha para o Senado, acompanhado de jornalistas e amigos do Rio de Janeiro, chama um senhor de cabeça branca no meio da turma que o cercava e fala:
-- Veja a sabedoria do nosso homem do interior. Meu senhor, qual a melhor coisa do mundo?
-- Tirante arroz cum ovo, um cuzim bem lavado.