01/06/2009
Situação cavernosa
Mais de 700 sítios rupestres no interior da Paraíba correm o risco de desaparecer
Juliana Barreto Farias
Desde a infância, Nivaldete Ferreira ouvia sua mãe falar das mãos que índios haviam pintado nas pedras da Serra da Rajada, no município paraibano de Nova Palmeira. Só que durante muito tempo ela não levou a sério essa história. Até conhecer as pesquisas da professora Gerlúzia Alves sobre os sítios rupestres de Parelhas e Carnaúba do Dantas, cidades vizinhas à sua terra natal.
Assim que pôs os olhos nesses desenhos feitos há milhares de anos, lembrou das conversas da mãe e decidiu buscar mais informações. “Consultei pessoas da família que moram por lá, e elas confirmaram a existência de várias inscrições”, conta Nivaldete, professora do Departamento de Artes da UFRN.
Por enquanto, o lugar ainda continua desconhecido para muita gente da região, já que não é fácil chegar lá. Mas as figuras pré-históricas de Nova Palmeira são apenas uma amostra das centenas de sítios arqueológicos espalhados pelo interior da Paraíba que correm sério risco de desaparecer. Só no montanhoso Planalto da Borborema, também chamado de Serra das Russas, existem pelo menos 700 sítios identificados. Em geral, são inscrições de pigmentação vermelha ou amarela que retratam figuras humanas e animais, como lagartos, emas, veados, tatus ou lobos. Afastadas umas das outras, chegam a medir de 30 centímetros a um metro. “E podem ser classificadas como da Tradição Agreste. Segundo a arqueóloga Niède Guidon, ela é característica de povos caçadores seminômades que viveram entre quatro mil e sete mil anos antes do presente”, destaca Washington Luís de Menezes, coordenador do Proca (Programa de Conscientização Arqueológica), ONG empenhada em preservar os monumentos pré-históricos da Paraíba.
Estampados em grutas e paredões rochosos nos leitos de rios, vales e serras, esses registros ficam expostos à ação do tempo e, sobretudo, à intervenção humana. “A construção civil, a extração de rochas, a falta de informações e o vandalismo são os principais responsáveis pela danificação parcial ou total desses sítios”, afirma Washington Menezes. O sítio de Pedra Branca, no município de São Mamede, por exemplo, tem uma área de aproximadamente três mil metros quadrados salpicada de pinturas e gravuras. Mas a extração de granito feita ali danificou boa parte dos painéis. Em Nova Palmeira, a retirada de minérios também tem afetado as inscrições rupestres. “Percebi que os extratores temem que, uma vez registrados esses ‘achados’, a atividade seja proibida. Isso contribui para o desinteresse na divulgação”, acredita Nivaldete Pereira.
O principal desafio parece ser mesmo a conscientização de moradores e turistas. Desde 2007, a professora vem tentando chamar atenção para a situação dos sítios rupestres por meio de um blog [incluir endereço]. “Achei que, divulgando o caso na Internet, algum pesquisador ou uma instituição poderiam se interessar e ajudar a construir uma noção de responsabilidade e autoestima”, conta. A equipe do Proca – em atividade desde 1995 – já fez a primeira expedição a Nova Palmeira e tem outra visita marcada para setembro, período da seca. Mas é preciso ir além. Em casos como este, a ONG costuma fazer pesquisas de campo detalhadas, oficinas, excursões e exposições em comunidades e escolas.
A preocupação aumentou desde que foi modificada a Lei de Proteção às Cavernas, em outubro do ano passado. Com base no novo texto, todas as cavernas que não forem classificadas como de “máxima relevância” poderão ser destruídas. Basta que os empresários paguem as devidas compensações. “A rocha granítica prevalece em nossa região e é extraída para a construção civil. E é justamente nesses locais que estão locas, lapas e pequenos abrigos rochosos com painéis rupestres e sepultamentos primitivos. Se muitos desses sítios já foram alvo de destruição mesmo antes da alteração da lei, imagine agora”, alerta Washington Menezes. Mais do que nunca, salvar a pré-história nacional virou uma corrida contra o tempo.
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