Certo dia um militar aposentado encontrou um
rato dentro de uma garrafa de Coca-Cola comprada em uma padaria, na esquina de
sua casa. Após conseguir um relatório técnico do laboratório da universidade
comprovando que o animal peçonhento foi colocado dentro da garrafa ainda na
fábrica, o aposentado levou o assunto à imprensa e à Justiça. Apesar dos
desmentidos, o caso ganhou grande repercussão porque a empresa não conseguiu
desconstituir imediatamente a prova técnica apresentada.
Na mesma semana um artista plástico denunciou
que ficou inválido por ter ingerido o refrigerante contaminado com urina de
rato. Ele apresentou laudos médicos comprovatórios e o caso também tomou
repercussão nacional.
Coincidência ou não, a partir daí começaram a
surgir inúmeras denúncias semelhantes em todos os recantos do país.
Praticamente todos os dias as pessoas registravam reclamações sobre o assunto.
Ora eram ratos inteiros, ora eram apenas pedaços deles que eram encontrados.
Em menos de três meses já havia mais de mil
reclamações diferentes tramitando nos órgãos públicos. Em alguns casos a fraude
era nítida, em outros a divergência técnica requeria a realização de exames e
testes. O fato é que, embora a empresa contestasse tais procedimentos, em uma
menor parte dos casos a contaminação foi comprovada por meio de perícia
especializada.
A divulgação desses resultados fez com que o
número de denúncias aumentasse de forma significativa. Além de ratos, começaram
a encontrar também baratas, besouros, escorpiões e cobras, dentre outros
animais peçonhentos. Houve também relatos sobre dedos humanos ou cadáveres de
animais, como cachorros, coelhos e gatos, em estado de putrefação encontrados
na garrafa.
Os órgãos públicos capacitaram equipes e
criaram divisões administrativas com o único intuito de cuidar do problema.
Enquanto isso a empresa passou a responder a um número tão grande de processos
administrativos e judiciais, que sempre era necessário contratar mais e mais
advogados e peritos técnicos.
A cada dia a idéia de fechar as fábricas e de
proibir a venda do produto despontava com mais força. Foram abaixo-assinados e
manifestações públicas fazendo tal exigência às autoridades. Por conta da
pressão dos Estados-Unidos, essas medidas drásticas não foram acatadas, mas determinou
que toda a linha de produção das fábricas seja inspecionada e vigiada dia e
noite.
Começaram a surgir também reclamações
semelhantes nos países vizinhos, e depois em países mais distantes. O problema
atingiu proporções mundiais, e em alguns lugares a venda do refrigerante chegou
mesmo a ser proibida. Em todo o planeta as vendas despencaram abruptamente, e
os analistas econômicos passaram a prever a derrocada da companhia nos próximos
meses. Prova dessa crise é que em alguns países a empresa entrou em processo de
falência ou de recuperação judicial.
Ocorre que nesse período começara a aparecer
notícias diferentes sobre coisas achadas nas garrafas e latas de Coca-Cola.
Seriam objetos de todas as ordens: novos, seminovos ou antigos, bem ou mal
conservados, valiosos, baratos ou sem valor, importantes, supérfluos ou
inúteis. Por exemplo, uma empregada doméstica achou um cortador de unhas
seminovo. Um lutador de jiu-jitsu encontrou uma adaga japonesa. Um motorista de
ônibus foi presenteado com um relógio caro. Um pastor protestante descobriu um
narguilé turco.
A princípio a companhia negou veementemente
tais descobertas, alegando ter total controle do seu processo produtivo. Ela
continuou sustentando a tese de que tudo isso era uma estratégia dos adversários,
especialmente a Pepsi-Cola, no intuito de tomar o seu espaço no mercado, uma
vez que em momento algum se verificou a ocorrência de tais fenômenos nas
bebidas concorrentes.
O Poder Público corroborou a tese da empresa,
ao justificar que toda a linha de produção estava sendo monitorada dia e noite
sem qualquer interrupção, mesmo durante as férias, feriados ou finais de
semana. De mais a mais, depois de algum tempo as próprias Forças Armadas
passaram a fazer a fiscalização, pelo menos na maioria dos países.
A despeito disso, novos objetos foram sendo
cada vez mais encontrados. Anéis, aparelhos de telefonia celular, bolas de
gude, bonecos de plástico, bisturis, braceletes, canetas, cartas de amor,
cartões de crédito, charutos cubanos, chocolates, computadores de mão,
dentaduras, espelhos, frisos, garfos de metal, incensos, imagens de santos
católicos, mescalinas, moedas, lampiões, livros, lunetas, óculos, palitos de
marfim, pedras, relicários, revolveres, sapatos de criança, sextantes, tesouras
e outras coisas eram comumente achadas. Houve quem achasse bilhetes premiados
da loteria, dobrões espanhóis, fórmulas para cosméticos e medicamentos, livros
autografados de Edgar Allan Poe e Jorge Luís Borges, pedras raras e orações
medievais para a prática de exorcismo, dentre outras preciosidades.
É claro que tanto na imprensa nacional quanto
na internacional nenhum outro assunto despertou tanta atenção. Em vista disso,
de um momento para outro as vendas do refrigerante dispararam. As pessoas
queriam saber com que surpresa poderiam se deparar dentro daqueles recipientes.
Mesmo com o aumento significativa da produção, o preço do refrigerante aumentou
absurdamente em razão da procura. Ao passo que as fábricas desativadas voltaram
a funcionar, as que estavam em operação passaram a fazer ampliações. O valor
das ações da companhia atinge um percentual tão alto que a própria Bolsa de
Valores decide atribuir a elas a categoria de bem inestimável, não passível de
negociação.
A aquisição passou a ser feita por meio de
reserva prévia, sob o rígido controle do Estado. Paralelamente apareceu o
mercado negro, com fornecedores que dispunham do líquido negro para entrega
imediata sob o pagamento de forte ágio. Não raramente as disputas pelo produto
chegavam as vias de fato. Muitas eram as famílias que trocavam itens da cesta
básica por isso. Com efeito, podia faltar qualquer coisa, menos a Coca-Cola!
Em pouco tempo, tomar a bebida coletivamente
se transformou em uma instituição nacional, e depois internacional. Os jovens
se reuniam para bebê-la em grupo, de maneira que a garrafa passavam de mão em
mão e de boca em boca. Nas famílias esse se tornou um momento especial, quando
todos se reuniam para sorver aquela bebida. Em inúmeros casos as pessoas até
faziam orações ou realizavam meditações em torno da garrafa ou da lata antes de
abri-la. Houve boatos sobre eventuais efeitos alucinógenos após a ingestão daquele
verdadeiro soma.
As universidades e demais instituições
oficiais de pesquisa começaram a divulgar os primeiros estudos que provavam que
Coca-Cola faz bem à saúde. Tomá-la era bom para o cérebro, o coração, os olhos,
os pulmões e os rins, sendo tudo comprovado cientificamente. Enquanto os homens
atribuíam ao liquido vigor sexual, as mulheres acreditavam que ele melhorava consideravelmente
a textura do cabelo e da pele. Um cientista indiano atestou que a substituição
da agua pelo refrigerante era o melhor para a saúde física e mental dos seres
humanos. É logico que não houve surpresas quando ele foi agraciado com o Premio
Nobel da Medicina.
Cabedelo/PB, 6 de outubro de 2013.
Prof. Talden, encontrei seu blog por acaso e achei essa crônica da coca-cola sensacional! Lembrei de um texto que fiz 10 anos atrás no meu falecido blog. Se quiser dar uma olhadinha, eis o link: http://www.criaturadocil.blogger.com.br/2003_10_01_archive.html
ResponderExcluirÉ o segundo post de cima pra baixo ("O Palindromista")
Excelentes textos, Luísa. Parabéns pelo domínio da escrita. Não devia ter parado com o blog.
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