Fundada pelos portugueses no dia 5 de agosto
de 1585 com o nome de “Vila Real de Nossa Senhora das Neves”, João Pessoa é uma
das cidades mais antigas do país e do continente. A cidade que nasceu em uma
colina às margens do Rio Sanhauá foi habitada primeiramente pelos índios tapuias,
depois pelos tupis e, finalmente, pelos europeus e seus descendentes.
Ao longo dos anos, o lugar foi palco de
batalhas e revoluções, e por várias vezes mudou de nome. As disputas entre
holandeses e portugueses, as perseguições às populações indígenas e a Revolução
de 1930 foram alguns dos acontecimentos históricos ocorridos aqui. Durante a
União Ibérica se chamou de Filipéia de Nossa Senhora das Neves, durante o
domínio holandês de Frederica (Frederikstad), Cidade da Parahyba e, por fim,
João Pessoa.
É por conta disso que o Município conta com
um rico patrimônio histórico, que é referência nacional. São casarões, igrejas
e sobrados de grande valor artístico, histórico e paisagístico, que refletem as
influências arquitetônicas de diversos estilos e períodos. Com efeito, é
possível arrolar um significativo número de construções que compuseram e ainda
compõem a estética local, a exemplo da Capela do Engenho da Graça, da Casa da
Pólvora, da Fonte do Tambiá, do Hotel Globo, da Igreja de Nossa Senhora do
Carmo, da Igreja de Nossa Senhora da Guia, da Igreja da Ordem Terceira de São
Francisco e do Teatro Santa Rosa. Não foi por outro motivo que o Centro
Histórico foi reconhecido como patrimônio nacional pelo IPHAN, que o inscreveu
no Livro do Tombo Histórico e Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico.
A despeito disso, tal patrimônio histórico
não vem recebendo os cuidados necessários por parte do Poder Público e da
sociedade civil, que parecem não compreender a importância desses bens não
apenas para a afirmação da identidade cultural, mas para a atividade turística.
De fato, não é preciso ser especialista no assunto para perceber o péssimo
estado de conservação em que se encontra boa parte dessas edificações. São
paredes ou prédios inteiros que caem, muitas vezes colocando em risco a
população e outros imóveis, depois de anos e anos de abandono.
Foi a esse propósito que o historiador
pernambucano Clênio Sierra de Alcântara postou faz alguns meses no seu blog
intitulado “A cidade e a História” o texto “Do fausto às ruínas: um passeio
pela Rua das Trincheiras”
(http://acidadeeahistoria.blogspot.com.br/2013/05/do-fausto-as-ruinas-um-passeio-pela-rua.html).
É claro que não é apenas nessa rua que isso ocorre, posto que, infelizmente, na
capital paraibana o descaso é a regra e a conservação a exceção. Contudo, nessa
postagem o historiador denunciou o descaso do Poder Público com o patrimônio
histórico apenas a partir de uma rua, disponibilizando inclusive diversas
fotografias de imóveis históricos em ruínas, o que é bastante ilustrativo
quanto ao contexto geral dos bens culturais locais.
A Curadoria do Patrimônio Cultural do
Ministério Público da Paraíba interpôs a Ação Civil Pública n.
0013845-68.2013.815.2001 com o objetivo de fazer com que o Estado da Paraíba e
o IPHAEP – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da Paraíba
façam o inventário dos bens patrimônio cultural que deve ser preservado em
razão de seu valor histórico, artístico, arquitetônico, paisagístico e
cultural. Atualmente em tramitação na 4ª Vara da Fazenda da Comarca de João
Pessoa, a ação visa também obrigar os réus a averbar no Cartório de Registro de
Imóveis o tombamento dos imóveis e a pagar indenização por danos morais
coletivos. De acordo com o Dr. João Geraldo Barbosa, um dos Promotores de
Justiça responsáveis pelo caso, nem o Estado nem o IPHAEP sabem dizer com
precisão quais são os bens inventariados, registrados ou tombados por eles
mesmos, nem tampouco o seu estado de conservação.
Impende dizer que a responsabilidade pela
conservação do patrimônio histórico diz respeito, primeiramente, ao
proprietário, que deverá arcar sozinho com os custos de manutenção. Contudo,
caso o mesmo não tenha comprovadamente condições de fazê-lo, valerá a
responsabilidade subsidiária da Administração Pública, de forma que o órgão ou
ente responsável pagará a conta, nos termos do que estabelece o art. 19 do Decreto-Lei
n. 25/37, o qual dispõe sobre a proteção do patrimônio histórico e artístico
nacional. Isso significa que os órgãos responsáveis pela gestão do patrimônio cultural
podem atuar fazendo uso dos instrumentos de comando e controle, a exemplo da fiscalização,
do embargo e da multa administrativa, ou cuidando diretamente da conservação desses
bens.
A concessão e a manutenção da decisão judicial
liminar favorável ao Ministério Publico na ação citada corroboram a compreensão
de que o Estado e o IPHAEP fracassaram na honrosa missão de proteger o patrimônio
cultural, cujo fundamento jurídico se encontra nos arts. 215 e 216 da Constituição
Federal. Com efeito, a raiz do problema não é a falta de compromisso ou a incompetência
dos servidores dessas instituições, na maioria das vezes verdadeiros “Dom
Quixotes” da identidade cultural nacional. Imperioso reconhecer que os órgãos
responsáveis pelo patrimônio cultural não dispõem da mínima estrutura em
matéria de recursos humanos e financeiros, constituindo-se nos primos mais pobres
da pobre Administração Pública brasileira. Se é verdade que de todos direitos
difusos e coletivos nenhum é tão invisível quanto o patrimônio cultural, é
importante destacar que em João Pessoa a situação é ainda mais grave, pois aqui
o Poder Judiciário praticamente decretou a falência deles, pelo menos em âmbito
estadual.
A curto prazo, a única solução seria fazer
com que os órgãos de controle ambiental façam a sua parte, fiscalizando e,
quando necessário, impondo embargos e multas por lesões ao patrimônio cultural,
já que eles também são responsáveis por isso, de acordo com os arts. 62, 63, 64
e 65 da Lei n. 9.605/98 e os arts. 72, 73, 74 e 75 do Decreto n. 6.514/2008. É
claro que esses órgãos também enfrentam dificuldades orçamentárias, mas a sua
efetiva inserção na gestão do patrimônio cultural parece ser a única saída a
curto prazo. De mais a mais, a legislação ambiental é mais efetiva na proteção
do meio ambiente do que a legislação específica do patrimônio cultural, daí
doutrinadores como José Eduardo Ramos Rodrigues defenderem a introdução dos
órgãos responsáveis pela gestão do patrimônio cultural no SISNAMA. No entanto,
a prática também demonstra que os órgãos de controle ambiental, seja em âmbito
federal, estadual ou municipal, não se sentem identificados com essa missão, e
simplesmente ignoram o fato de que o patrimônio cultural faz parte do objeto de
atuação do Direito Ambiental.
Certamente contribui para esse verdadeiro estado
geral de omissão o fato de haver outro órgão competente para a gestão do patrimônio
cultural, pois é corriqueiro a competência administrativa comum gerar conflitos
negativos de competência. Talvez por conta disso os nossos filhos e netos não cheguem
a conhecer o patrimônio histórico pessoense na sua integralidade, visto que boa
parte dele está literalmente tombando. Quase toda semana uma parede de um prédio
histórico cai, e o proprietário do imóvel acaba se aproveitando disso para vender
o terreno ou utilizá-lo como estacionamento, tamanha é a força com que o mercado
imobiliário engole a identidade e a memória de um povo. Enquanto isso, nada
mais resta a fazer senão rezar e rezar para que a Força Divina conserve tais
bens, face o insucesso dos seres humanos nessa relevante empreitada.
(Cabedelo/PB, novembro de 2013)
Nenhum comentário:
Postar um comentário