terça-feira, 30 de agosto de 2011
Sobre o Falecimento de um Amigo de Infância
Tristeza. Ontem foi o enterro de Pedro Homero, um amigo de infância. Por anos estudamos juntos e fomos o melhor amigo um do outro. Depois acabamos perdendo o contato, em virtude dos caminhos que naturalmente a vida segue, embora a velha amizade nunca tivesse deixado o seu lugar. Além de fazer muito sucesso com os esportes e com as mulheres, nas minhas lembranças Pell era sempre alegre e solidário. O que falar sobre a morte, notadamente quando se trata de alguém tão jovem? Nada, pois o destino tem suas próprias razões e não nos cabe questionar certas coisas. Minha solidariedade aos familiares e demais amigos, que também desfrutaram dessa convivência.
quinta-feira, 25 de agosto de 2011
Epígrafe XIV - Eduardo Galeano e o Desenvolvimento
O desenvolvimento
A ponte sem rio.
Altas fachadas de edifícios sem nada atrás.
O jardineiro agua a grama de plástico.
A escada-rolante não conduz a parte alguma.
A autopista nos permite conhecer os lugares que a autopista devastou.
A tela do televisor nos mostra um televisor que contém outro televisor, dentro do qual há um televisor.
Eduardo Galeano
(“De pernas pro ar: a escola do mundo ao avesso”, publicado pela L&PM Editores em 2009).
quarta-feira, 24 de agosto de 2011
Lançamento do Livro "Mercosul e Estado de Direito", do Advogado e Professor Orione Dantas de Medeiros
LANÇAMENTO DO LIVRO “MERCOSUL E ESTADO DE DIREITO”, DE ORIONE DANTAS DE MEDEIROS
O advogado e professor Orione Dantas de Medeiros está lançando o livro “Mercosul e Estado de Direito” em uma parceria da Editora da Universidade Federal de Rio Grande com a Editora da Universidade Estadual da Paraíba.
A obra é fruto da sua dissertação de mestrado, que foi aprovada pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Jurídicas da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), sob a orientação do professor Fredys Orlando Sorto – que, inclusive, escreveu um belíssimo prefácio para o livro.
SOBRE O AUTOR
Orione Dantas de Medeiros é graduado em Ciências Jurídicas e em História pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e concluinte do doutorado em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) sob a orientação do professor Ivo Dantas.
Além de advogado, o autor é professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), onde desenvolve pesquisas nas áreas de Direito Constitucional e Direito Comunitário.
SOBRE O LIVRO
É no panorama da globalização, processo de integração econômica, política e social das nações, que ganha importância a temática dos blocos econômicos. Trata-se do agrupamento de países que, em virtude de determinado contexto comercial, cultural ou geográfico, procuram se aliar a fim de gerar mais divisas e aumentar a prosperidade. Esse fenômeno pode ser observado em todos os continentes e, de forma bastante peculiar, na América do Sul – o que está relacionado diretamente ao foco do presente trabalho. No caso, o Tratado de Assunção foi assinado no dia 26 de março de 1991, entre Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, criando o “Mercado Comum do Sul” (Mercosul). O objetivo desse bloco, surgido sob a nítida influência do Mercado Comum Europeu, é diminuir ou eliminar a carga tributária, bem como as restrições e vedações à circulação dos produtos e serviços entre esses países. Com efeito, a ampliação das dimensões dos mercados nacionais através da integração é o principal intuito do documento.
Nesse sentido, a finalidade última do tratado é criar um mercado realmente comum, em que haja uma livre circulação de bens, de conhecimento e de trabalho. Contudo, até que esse panorama se torne palpável, faz-se necessário a eliminação de tarifas alfandegárias e não alfandegárias, e, em um segundo momento, a unificação da política comercial externa por meio do estabelecimento de uma tarifa comum, de maneira a caracterizar efetivamente a união aduaneira. Para isso, o Mercosul precisa consolidar suas instituições e continuar ampliando a sua área de atuação, pois, ao invés de uma zona de livre comércio, atualmente existe apenas uma tarifação diferenciada entre os países membros. Daí a necessidade de estudos jurídicos mais aprofundados acerca do tema, mormente se pautados por uma postura crítica e propositiva, os quais certamente contribuirão para o amadurecimento do bloco econômico.
É nesse contexto que se destaca a magistral obra do professor Orione Dantas de Medeiros, intitulado “Mercosul: integração econômica e solução de controvérsias”, a qual analisou o procedimento arbitral como meio jurisdicional exercido pelos Tribunais ad hoc e pelo Tribunal Permanente de Revisão, a partir das reclamações dos Estados-parte e dos indivíduos, com o propósito de verificar se e como a aplicação desse sistema normativo tem contribuído para a consolidação do bloco. A conclusão a que chegou o autor é que em suas decisões esses tribunais realmente priorizaram a promoção de um verdadeiro processo de integração econômica, procurando concretizar as diretrizes do Tratado de Assunção. O problema é que, segundo o mesmo, o sistema de solução de controvérsias adotado não é adequado para a consolidação do mercado comum pretendido, tendo em vista as limitações existentes, de maneira que é preciso repensar a sistemática jurisdicional do Mercosul.
Trata-se de uma pesquisa bibliográfica e documental, em que se destaca o acesso direto que teve o autor aos laudos arbitrais prolatados pelos tribunais citados. Além disso, impende ressaltar que o autor conseguiu fazer uma abordagem jurídica sem deixar de trabalhar com outros ramos do conhecimento científico, a exemplo da Economia, da Ciência Política e da História. O apuro metodológico e o rigor científico permeiam todo o texto, que consegue ser profundo e, ao mesmo tempo, didático e objetivo.
É inegável o crescimento do interesse dos profissionais da área jurídica por disciplinas como Direito Comunitário e Direito da Integração, o que também é um reflexo do aumento da interação econômica entre os países do Mercosul e dos demais blocos. Nesse diapasão, a obra em comento certamente preencherá uma grande lacuna, visto que são poucos os trabalhos existentes sobre o processo de integração “mercosulino”. Na verdade, o livro poderá servir como uma espécie de introdução ao sistema de resoluções de conflitos no Mercosul ou no Direito Comunitário de uma forma geral.
Talden Farias
segunda-feira, 22 de agosto de 2011
Lançamento do Livro "Direito Ambiental", da Professora Belinda Pereira da Cunha
O lançamento do livro "Direito Ambiental: doutrina, casos práticos e jurisprudência", da professora e pesquisadora Belinda Pereira da Cunha será às 19 horas do dia 25 de agosto na Livraria Leitura, no Shopping Manaíra, em João Pessoa/PB.
trata-se de uma leitura recomendada para todos os que quiserem se aprofundar no estudo do Direito Ambiental, inclusive para aqueles que não possuem formação jurídica.
A professora Belinda é um dos grandes nomes do Direito Ambiental brasileiro, sendo conhecida por conseguir aliar didática à profundidade.
Eu tive a honra de contar com a sua participação em minha banca de mestrado, e certamente meu trabalho ganhou muito com suas críticas e sugestões.
O professor Paulo Affonso Leme Machado, que é inquestionavelmente o maior nome do Direito Ambiental brasileiro, é um grande entusiasta da produção científica de Belinda.
A primeira vez que encontrei esse livro foi no Congresso de Direito Ambiental do Instituto o Direito por um Planeta Verde, que ocorreu no começo do mês de junho deste ano.
DIREITO AMBIENTAL
DOUTRINA, CASOS PRÁTICOS E JURISPRUDÊNCIA
Os Direitos Humanos e o Meio Ambiente ocupam lugar de destaque na reflexão científica da modernidade e ocupam também papel destacado na mídia e na educação contemporâneas. Tais reflexões são resultado do desenvolvimento tecnológico e do aumento demográfico e têm sido pauta de discussões mais aprofundadas a partir da crise do petróleo dos anos 1970. Dessa forma, nada mais natural que pensar as questões envolvendo o direito ambiental a partir de um enfoque coletivo que abarque a totalidade da saúde humana e sua preservação, vista como um bem coletivo no sentido lato.
Belinda Pereira da Cunha pesquisa e traz à tona neste livro reflexões sobre o Direito Ambiental contemporâneo com temas que vão dos problemas decorrentes de vazamentos de petróleo ao desmatamento da Amazônia. Uma nova abordagem e uma nova matéria nos estudos atuais de Direito, que devem permear as discussões e regulamentações sobre as legislações sobre o uso da terra.
Belinda aponta os danos ambientais causados por acidentes ecológicos em países dsenvolvidos, como vazamentos químicos em terra, mar ou ar, e como foram tratados por outros legisladores, em cada país. Faz, com isso, um guia inteligente para legisladores brasileiros interessados nas questões ambientais.
Sobre a autora: Belinda Pereira da Cunha é mestre e doutora em Direitos Difusos pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, com bolsa doutorado Capes e pesquisa realizada em Roma, na Universidade La Sapienza. Professora do Programa de Meio Ambiente e Desenvolvimento em Rede para Norte e Nordeste (Prodema). Professora do programa de pós-graduação stricto sensu da UFPB. Professora do mestrado UFPB/Universidade Nilton Lins de Manaus-Amazonas. Professora concursada da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professora convidada da Universidade Metropolitana de Santos, assessora científi ca da OAB/SP e pesquisadora do CNPq.
domingo, 21 de agosto de 2011
Pronunciamento do Senador Lindberg Farias sobre Violência Policial e a Comissão da Verdade, em Homenagem à Memória da Juíza Patrícia Acioli
PRONUNCIAMENTO DO SENADOR LINDBERGH FARIAS
(Brasília, 16 de agosto, 2011)
Sr. Presidente,
Senhoras e senhores senadores,
Confesso que estou desolado com o assassinato brutal e covarde da juíza Patrícia Acioli. Vinte e um tiros a atingiram em frente à sua casa. Seus dois filhos, entrando na adolescência, ouviram as rajadas e jamais esquecerão.
E nós? Ouvimos? Ouvimos os 21 ecos do ponto final imposto a uma história de vida exemplar?
E nós? Esqueceremos? Esqueceremos o sacrifício de uma jovem extraordinária, mártir da Justiça brasileira? Será essa morte mais uma entre tantas registradas nas estatísticas oficiais?
Como não podemos reparar o irreparável, o que nos resta fazer? O que ainda está a nosso alcance? Creio que seja meu dever, nosso dever, ouvir esses 21 tiros, escutar o que eles nos dizem para jamais esquecer, para render homenagem à memória da juíza Patrícia Acioli, para preservar sua memória e honrar sua luta, levando-a adiante. Cabe aos que compartilhamos os ideais de Patrícia, aos que nos comovemos e nos solidarizamos com sua família, cabe aos que estamos comprometidos com as causas mais elementares da justiça transformar a derrota em vitória, o retrocesso em avanço, a tragédia em marco histórico, em ponto de mutação que irradia a energia para um recomeço.
Com esse espírito, tentei escutar sob cada um dos 21 estampidos a voz de Patrícia, a voz da mulher de fibra que não emudecerá, e as lições que talvez sejam o seu legado, porque podem ser deduzidas de sua linha de conduta.
(1) Para construir um país é preciso olhar para a frente e acreditar, confiar, não perder a esperança. Essa tese me foi suscitada pela juventude de Patrícia, uma heroína precoce. Tudo em sua biografia remete ao futuro: ela era movida pela confiança, que se alimentava antes na esperança do que no diagnóstico realista do presente. A juíza Patrícia demonstrou até o fim plena confiança na possibilidade de construção de uma ordem social justa, que lhe permitisse transitar sozinha, dirigindo seu próprio automóvel, em segurança. Ela vivia esse futuro desejado para antecipá-lo, tornando-o real em suas ações e, assim, ajudando a construi-lo como uma profecia virtuosa que seu auto-cumpre.
(2) Olhar para a frente, confiando, não pode ser apenas um ato de vontade sem lastro no passado, sem base de sustentação que atribua consistência aos compromissos com o futuro, aos passos em direção ao futuro. Isso vale para os indivíduos e as sociedades. A psicologia e a psicanálise demonstraram que não é saudável negar o passado mesmo que as intenções sejam evitar o sofrimento e construir um futuro positivo. Para que o trauma seja superado, é preciso fazer o luto. Caso contrário, a realidade negada e o sofrimento recalcado retornam sob formas patológicas e desestruturantes. Para construir o futuro, é necessário olhar o passado nos olhos, ainda que o preço a pagar seja doloroso. A juíza Patrícia Acioli, mesmo sendo reconhecida pela compaixão, sabia ser rigorosa na cobrança de responsabilidades. Ou seja, ela nos ensinou a olhar para trás. Nunca se negou a examinar o passado e fazer o balanço das feridas.
(3) Encarando o passado, a juíza Patrícia Acioli sempre julgou com equilíbrio, sem impulsos vingativos, mas nunca renunciou ao rigor quando julgava e distribuía sentenças, apontando responsabilidades. Ela nos mostrou que rigor e compaixão podem conviver, assim como a admissão da verdade com a vontade de restaurar laços e cooperar.
(4) As teses anteriores funcionam como premissas para uma primeira conclusão, de consequências importantes para a política brasileira: sem o momento de verdade, não pode haver reconciliação efetiva, produtiva, saudável. Como também nos ensinaram o ex-presidente Nelson Mandela e o reverendo Desmond Tutu: verdade e reconciliação são as pedras de toque de uma transição democrática completa e consistente. Faltando uma delas, o edifício desmorona.
(5) Patrícia Acioli era de uma geração que chegou à vida adulta e ingressou no mundo profissional quando a Constituição de 1988 estava sendo elaborada e promulgada. Enquanto operadora do Direito, defensora pública e depois juíza criminal, ela era filha da Constituição. Beneficou-se das conquistas democráticas, às quais sempre foi fiel em sua prática institucional. Sua vida como juíza não pode ser contemplada senão nos marcos dessa moldura. O Estado democrático de direito não representou, portanto, uma circunstância ou uma escolha eventual, passível de substituição e adaptações. Nada disso. O Estado democrático de direito foi a segunda natureza de sua história profissional, a essência de seu compromisso com a carreira jurídica, o fundamento e o horizonte normativo e valorativo de seu engajamento. Mais uma lição: a democracia não é uma acomodação oportunista provisória ou um movimento tático, mas um engajamento estratégico, permanente, existencial e profissional, ético e político.
(6) A insatisfação contínua de Patrícia com a realidade com que se defrontava refletia sua visão prática e seu relacionamento com o Estado democrático de direito. A democracia não é uma panacéia, nem uma realidade estática, mas um processo sempre aberto e que demarca os limites em que os conflitos devem ser vividos, para que conduzam a superações sucessivas das deficiências porventura identificadas na realização dos valores constitucionais, e não ao sacrifício das conquistas e de suas condições de possibilidade.
(7) Deduzimos outro ensinamento implícito da juíza Patrícia Acioli, ao contrastarmos sua valorização das leis e da institucionalidade jurídica –amplamente expressa em seu desempenho-- com sua vigorosa insatisfação, manifestada na luta incansável e corajosa contra a brutalidade policial, contra a violência do Estado, e também traduzida em sua dedicação às causas dos mais pobres, daqueles que são mais vulneráveis a injustiças: a desigualdade no acesso à Justiça é uma das mais infames manifestações da desigualdade, em nossa sociedade. Combatê-la é dever de todo democrata.
(8) Outra lição implicada em sua sistemática recusa a resignar-se com as injustiças presentes nas práticas dos agentes estatais: a transição democrática brasileira não provocou um descolamento entre o Estado e a sociedade, por fazer o primeiro mudar em um ritmo que a sociedade não acompanhou. Ao contrário, o processo deu-se de um modo tal que estratos internos ao Estado não acompanharam o ritmo e a direção que marcaram as mudanças de outros estratos seus e da sociedade.
(9) Devemos ouvir a voz emudecida da juíza Patrícia e extrair a lição subjacente a seu esforço generoso e destemido de reprimir e condenar a brutalidade policial, as execuções extra-judiciais, rasgando as máscaras dos “autos de resistência”, e devemos atentar para a mensagem que ela nos envia por meio de seu combate a máfias e milícias, nas quais agentes públicos se envolvem em atividades corruptas, lesivas ao interesse público e violentas. Ela parece nos dizer: há algo de podre no reino da democracia brasileira; há algo de abjeto e inominável nos porões do Estado brasileiro; há cadáveres no armário e crimes ocultos, e uma corrente venenosa debaixo das construções maravilhosas de que nos orgulhamos –e com razão o fazemos, porque elas são de fato maravilhosas. O que, entretanto, não as impede de abrigar o avesso da ordem que elas edificaram e que, honradamente, simbolizam. Não se trata de armação ardilosa, voluntária, golpista. Não se trata de um jogo consciente e perverso. As duas coisas são inteiramente verdadeiras e essa contradição é o dilema que nos desafia: a transição política nos proporcionou o Estado Democrático de Direito mas, por algum motivo que resta investigar, nos legou também, subrepticiamente, seu antídoto, sua negação, uma dinâmica contagiosa que se alastra ante nossos olhos, mas sem que a identifiquemos, sem que a compreendamos, sem que reconheçamos sua gravidade, sem que tomemos atitudes compatíveis com o risco que ela representa para a saúde da democracia.
(10) A juíza Patrícia Acioli, por intermédio de sua obstinação civilizatória, levantou o véu e nos revelou o que resistimos a admitir: o antídoto, o veneno, a negação, o avesso do Estado Democrático de Direito é a violência perpetrada por estratos do próprio aparelho de Estado contra a cidadania, contra a Constituição.
(11) Nenhum país moderno, das dimensões e da complexidade do Brasil, está imune à violência policial, muito menos à infestação por máfias e outras formas de crime organizado. Por que, então, estabelecer conexões entre episódios criminosos e as condições em que se realizou a transição democrática brasileira? Primeiro: fenômenos semelhantes podem ter causas distintas sem cujo conhecimento as terapias não funcionam. Ou seja, terapias análogas nem sempre obtêm o mesmo resultado, mesmo que os alvos sejam similares. Segundo: não basta que os fenômenos sejam semelhantes; é preciso examinar a escala em que ocorrem, porque a quantidade altera a qualidade e pode refletir condições bastante diferentes. A vida e a morte de Patrícia nos ensinam: anos de trabalho dedicados a casos que continuaram se acumulando, sem nenhuma atitude definitiva do Estado e da sociedade. Houve 8.708 autos de resistência entre 2003 e 2010, inclusive, no Estado do Rio de Janeiro. Portanto, 8.708 pessoas foram mortas pelas polícias. Não se sabe quantas foram sumariamente executadas, mas os pesquisadores suspeitam que a maioria. Por fim, 21 tiros no tórax e na face da juíza: a assinatura corriqueira de milícias e grupos de extermínio vangloriando-se da impunidade. Um estrato do Estado contra outro. A legalidade constitucional encarnada na toga, vestida por uma mulher notável, entra em confronto com a arrogância armada da brutalidade desmedida. Os números do Rio e do Brasil situam a problemática da violência policial em patamar absolutamente excepcional. E a singularidade do caso brasileiro remete a uma pluralidade de causas, entre elas a forma pela qual transitamos, no Brasil, da ditadura para a democracia --destaco este ponto porque ele costuma ser negligenciado.
(12) Há outro aspecto importante que distingue a situação de nosso país, face à violência policial verificada em outros países, e face à incidência do crime organizado (isto é, daquele crime do qual participam agentes públicos, pois é esta a definição técnica de crime organizado) em outras partes do mundo. De novo, quem nos esclarece sobre esta questão é a performance pública da juíza Patrícia. A insistência com que ela, em suas sentenças e em suas atitudes, conclamava as autoridades a assumirem suas responsabilidades diante do descalabro, diante do descontrole das polícias, foi eloquente: o que diferencia o caso nacional é a indiferença do poder público à traição de que é vítima, quando seus agentes cometem crimes contra a cidadania, em particular quando aqueles aos quais incumbe defender a vida, os direitos e a segurança pública fazem o contrário, invertendo seu dever e seu mandato contitucional.
(13) Consideremos um exemplo recente para que não pareça que estou divagando. Sigo a inspiração da juíza, cuja prática foi a contra-prova da tendência predominante. Sua postura, pela excepcionalidade, confirma a regra. Em Nova Iguaçu, no dia 20 de junho deste ano, uma criança foi morta por policiais. Seu nome era Juan Moraes e seus pais tiveram de ingressar no programa de proteção às testemunhas, porque denunciaram os assassinos de seu filho. Por justiça e pela verdade, arriscaram a vida e sacrificaram a vida que levavam. No dia 6 de julho, autoridades da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro declararam à mídia que, a partir daquele momento, as mortes de civis em supostos confrontos com policiais passariam a ser investigadas, inclusive com participação da perícia. Todos os cidadãos sensatos ficaram perplexos. A polícia informava que passaria a cumprir seu dever. Em outras palavras: a polícia confessava que não cumpria seu dever. Mencionei o caso trágico de Juan, mas não estamos falando de um episódio. Repito o número escandaloso: foram 8.708 mortes em oito anos, somente no estado do Rio de Janeiro. A tese demonstrada é a seguinte: a indiferença não é uma inclinação eventual de uma ou outra autoridade. Pelo contrário, a indiferença constitui um padrão e corresponde, portanto, a uma política institucional. Ainda que ela se reproduza por força da inércia de culturas corporativas, a continuidade não seria possível se não houvesse ampla omissão e cumplicidade de distintos estratos.
(14) Patrícia Acioli nos conduz a duas grandes interrogações: qual a raiz histórica dessa assombrosa realidade, em que vemos estratos do Estado inteiramente descolados do discurso oficial, da norma legal, do compromisso constitucionalmente atribuído às instituições responsáveis? A persistência de Patrícia, que resistia, chocando-se contra a insistência das instituições policiais em preservar padrões comportamentais, cognitivos e valorativos herdados do passado autoritário, gera um atrito, cuja incandescência acende a luz da razão e suscita uma tese: essa herança cultural passou incólume pelas mudanças provocadas pela transição democrática. Certamente, a cultura profissional de que falamos (com seus componentes cognitivos, simbólicos, identitários, emocionais, valorativos, comportamentais) não nasceu na ditadura, mas deve a ela sua qualificação, no sentido negativo da palavra. O regime oriundo do golpe de 1964 absorveu acriticamente, e modernizou, o pior de nossas tradições autoritárias, racistas e violentas, que jamais haviam sido, na esfera policial, confrontadas diretamente, mesmo na democracia de 1945. Como chama a atenção a professora Sandra Helena de Sousa: a transição democrática que culminou com a promulgação da Carta de 1988 tampouco passou a limpo esse anacronismo, o que acabou por reificá-lo e convertê-lo em perverso atavismo institucional.
(15) A segunda interrogação deixa as raízes de lado e nos devolve aos dias de hoje: por que essa realidade assombrosa, mesmo tendo atravessado praticamente incólume o período das reformas institucionais, nos anos 1980, persiste, atualmente, em um Brasil tão profundamente diferente? A história profissional da juíza Patrícia Acioli, mais uma vez pelo efeito do contraste, ilumina a resposta: aspectos importantes da antiga cultura policial e alguns procedimentos arcaicos perduram porque são parcialmente compatíveis com determinadas expectativas e com certos valores de alguns setores da sociedade e razoavelmente funcionais. Observe-se que a funcionalidade não é completa, pois restam contradições, sobram resíduos, produzem-se externalidades, problemas e desfuncionalidades. Ou seja, geram-se efeitos negativos para todos, inclusive para os segmentos sociais referidos e para o exercício do poder do Estado.
(16) A tese que acabo de expor recoloca uma questão que já havia sido tratada, permitindo uma correção que enriquece e precisa a afirmação anterior: não só estratos internos ao Estado se descolaram e não acompanharam o ritmo e a direção que marcaram as mudanças de outros estratos seus e da sociedade. O mesmo é válido para certos estratos sociais, no plano da cultura política e dos valores cívicos.
(17) As duas respostas (a raiz histórica e a funcionalidade parcial) se complementam e, superpostas, conduzem a mais uma tese: a transição política brasileira, ao excluir qualquer procedimento que valorizasse a restauração da verdade, relativamente aos crimes do Estado, fundou o pacto de reconstrução unilateralmente na reconciliação, submetendo a memória dos fatos dolorosos ao regime da negação. A pura e simples negação equivale ao recalque e enseja a continuidade destrutiva da experiência traumática, o que vale para vítimas e algozes. O regime da negação afetou a cultura cívica, produziu efeitos sobre a cultura política e se estendeu para o conjunto do aparato repressivo da ditadura, alcançando, portanto, a problemática das polícias e das respectivas culturas institucionais.
(18) Não desconstituir moralmente os crimes do passado em um ritual de passagem, política e simbolicamente poderoso, implicou também não questionar com radicalidade moral os procedimentos policiais padrão. Tudo se agrava quando se tem presente que tais procedimentos, consagrados e modernizados pela ditadura de 1964, a antecederam –ou seja, estão profundamente arraigados.
(19) Desse conjunto de reflexões, suscitados pela trajetória exemplar da juíza Patrícia Acioli, surgem duas recomendações. A primeira: a comissão da verdade que será –eu espero-- constituída em breve deverá desempenhar não só um papel decisivo no que diz respeito ao restabelecimento da história real do Brasil, como também um papel estratégico para nosso futuro. A comissão da verdade poderá assumir o compromisso de inundar o Estado, em todos os seus estratos, em todas as suas instituições, com o espírito e a conviccão de que “nunca mais” nosso país vai tolerar o intolerável, resignar-se a conviver com o inaceitável. Nunca mais! Nunca mais, a barbárie. Foi esse o brado que ecoou na voz de Patrícia, em cada um de seus atos: “nunca mais”. Torturas, execuções extra-judiciais, grupos de extermínio, crimes perpetrados por agentes do Estado sob a cobertura da pusilanimidade: “nunca mais”. Esse “nunca mais” convertido em valor deve se transformar em modelo de orientação de comportamentos. E deve infiltrar-se nos estratos sociais que resistem aos valores democráticos, legalistas e humanistas.
(20) A segunda recomendação se refere aos mecanismos de controle da atividade policial. Parte substancial da insegurança pública é provocada por agentes do Estado. Sendo assim, sem prejuízo da necessidade de prevenirmos e reduzirmos a enorme violência praticada pela sociedade, impõe-se uma ação urgente e concertada das mais diferentes agências do Estado nacional, em suas diversas instâncias, para submeter a violência de seus agentes ao controle constitucional e democrático.
(21) Se os policiais brasileiros são desvalorizados, profissionalmente, se recebem salários indignos e formação inadequada, se trabalham em condições precárias e arriscadas, se atuam em estruturas organizacionais que inibem em vez de potencializar suas capacidades, temos de lhes oferecer alternativas e perspectivas de mudança. Pessoalmente, estou investindo nesse caminho. Entretanto, nada justifica que adiemos o confronto com essa questão dolorosa: o ovo da serepente tem de ser extirpado em benefício da sociedade brasileira, do Estado democrático de direito, da segurança pública, do respeito aos direitos e às liberdades, e em benefício dos próprios policiais, que merecem lugar de destaque na construção de um futuro mais justo e pacífico em nosso país. Pensando assim, pretendo apresentar em breve um projeto de Lei que revigore, aprimore e amplie os mecanismos de controle da atividade policial, apoiando o Ministério Público, o Judiciário, a Defensoria Pública e a sociedade civil, em seu esforço para reduzir os crimes perpetrados pelo próprio Estado. É preciso olhar menos para os desvios de conduta individuais e mais para os padrões institucionalizados e as responsabilidades superiores, nas instituições e nos governos. Assim como o calvário de Maria da Penha estimulou a luta das mulheres contra a violência, espero que o sacrifício de Patrícia Acioli nos inspire e nos mobilize. É o mínimo que lhe devemos para honrar sua memória.
Epígrafe XIII - Manoel Pedro Pimentel
Dando continuidade à série de epígrafes com conteúdo ambiental ou socioambiental, eis que reproduzo agora frase de Manoel Pedro Pimental citada pelo renomado jurista Édis Milaré na obra "Direito do ambiental". Apesar de ser uma frase simples, seu conteúdo é muito verdadeiro na medida em que se refere à insubstitubilidade da natureza. Infelizmente, nada conheço sobre o seu autor, e por isso não posso tecer qualquer comentário. Eis, enfim, a frase:
"Levantem os olhos sobre o mundo e vejam o que está acontecendo à nossa volta, para que amanhã não sejamos acusados de omissão se o homem, num futuro próximo, solitário e nostálgico de poesia, encontrar-se sentado no meio de um parque forrado com grama plástica, ouvindo cantar um sabiá eletrônico, pousando no galho de uma árvore de cimento armado"
Manoel Pedro Pimentel
Revista de Direito Penal, v. 24, p. 91, in MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007).
domingo, 14 de agosto de 2011
Epígrafe XII - Milton Santos
Milton Santos é um dos grandes nomes da Geografia mundial, tendo sido provavelmente o maior estudioso da chamada "geografia da urbanização do terceiro mundo". Como o espaço urbano também é meio ambiente, sendo conhecido também como meio ambiente artificial, a frase abaixo passa a fazer parte da nossa série de epígrafes de cunho ambiental:
Por um urbanismo de cidadãos:
“Um dos grandes problemas que nós temos enfrentado atualmente é que a Democracia está se transformando rapidamente numa Democracia de mercado. A Democracia de mercado dá o primeiro plano ao consumidor, ao usuário, e deixa em segundo plano o cidadão. O Urbanismo tanto pode levar a urbanidade, que é a produção do cidadão, como o urbanismo pode levar apenas a produção do consumidor, que é o indivíduo que está contente com as regras do mercado. Ora, o cidadão é alguém que não vive fora do mercado, porque, por agora, é impossível viver fora dele, mas que se opõe ao mercado naquilo que é essencial à vida humana, à preservação dos valores fundamentais do indivíduo, que é o que está no homem, que é o que nos institui como portadores de direitos, e que você não pode dispensar”
Milton Santos
quinta-feira, 11 de agosto de 2011
Pessoas Interessantes - Entrevista com o Professor Daniel Duarte Pereira
Esse blog foi criado com o objetivo de publicar entrevistas com pessoas que não são famosas, mas com histórias para contar. O primeiro entrevistado foi o Daniel Duarte Pereira, professor da Universidade Federal da Paraíba e presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Cariri. Daniel também é pesquisador, sendo considerado atualmente um dos maiores estudiosos da caatinga. No caso, houve apenas um equívoco quanto ao critério de escolha do entrevistado, porque o professor Daniel não é exatamente um anônimo. Qualquer pessoa que trabalhe ou que tenha trabalhado na área ambiental ou na área agrária na Paraíba ou nos Estados vizinhos certamente já ouviu falar a respeito desse sujeito genial. Eis, enfim, o endereço eletrônico do blog com a entrevista:
http://comoagente.blogspot.com/
quarta-feira, 10 de agosto de 2011
Sem Comentários I - Charge sobre Temáticas de Carnaval de Defesa da Natureza
Eis a charge do artista plástico Rennan Lima, a qual me foi enviada pelo amigo e parceiro profissional Luciano Alvarenga.
quarta-feira, 3 de agosto de 2011
3a Edição do Livro "Licenciamento Ambiental: Aspectos Teóricos e Práticos" Já Está à Venda
Comunico aos amigos e interessados pela temática ambiental em geral o lançamento da 3a edição do meu livro intitulado "Licenciamento ambiental: aspectos teóricos e práticos", publicado pela Editora Fórum. A obra, cuja primeira edição foi lançada em agosto de 2007, foi atualizada e ampliada e já começou a ser vendida no site da editora e nas livrarias especializadas. Maiores informações poderão ser encontradas no endereço eletrônico abaixo:
http://www.editoraforum.com.br/loja/produtos_descricao.asp?lang=pt_BR&codigo_produto=664
LICENCIAMENTO AMBIENTAL: ASPECTOS TEÓRICOS E PRÁTICOS – 3ª edição
SUMÁRIO DO LIVRO:
Prefácio
Paulo Affonso Leme Machado
Apresentação
Leandro Eustáquio de Matos Monteiro
Introdução
Capítulo 1
Aspectos Gerais do Licenciamento Ambiental
Capítulo 2
Atividades Sujeitas ao Licenciamento Ambiental
Capítulo 3
Fases e Procedimento do Licenciamento Ambiental
Capítulo 4
Competência e Licenciamento Ambiental
Capítulo 5
Natureza Jurídica do Licenciamento Ambiental
Capítulo 6
Revisibilidade do Licenciamento Ambiental e Natureza Jurídica da Licença Ambiental
Capítulo 7
Responsabilidade Jurídica e Licenciamento Ambiental
Considerações Finais
Referências
Índice de Assuntos
Índice da Legislação
Índice Onomástico
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