O PRAZO DA POLÍTICA
NACIONAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS ACABOU. E AGORA, PREFEITOS?
Talden Farias
O número de matérias veiculadas
na imprensa sobre a Política Nacional de Resíduos Sólidos têm crescido de forma
significativa nas últimas semanas, tanto em âmbito nacional quanto local. O destaque
quase sempre é o prazo final de adequação das Prefeituras, bem como a possibilidade
de responsabilização destas e de seus respectivos gestores.
Ocorre que algumas informações
relacionadas a tais aspectos são por vezes repassadas de forma incompleta ou
mesmo em descompasso com a legislação. Nesse viés, faz-se necessário responder,
da forma mais objetiva possível, às seguintes perguntas: quais as obrigações
dos Municípios em matéria de resíduos sólidos, qual o prazo para o cumprimento
dessas obrigações, quem pode ser responsabilizado pelo descumprimento e que
tipo de responsabilização pode ocorrer?
Depois de uma longa tramitação
legislativa no dia 2 de agosto de 2010 foi editada a Lei n. 12.305, a qual
instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos. Cuida-se, na realidade, do
marco legal que estabelece os objetivos, princípios, instrumentos e
responsabilidades do Poder Público e da sociedade civil desse segmento da
política ambiental.
No que diz respeito às
obrigações dos Municípios, é possível organizá-las da seguinte forma:
a) elaboração do plano municipal de gestão
integrada
b) limpeza urbana e coleta
d) disposição final ambientalmente adequada
de resíduos sólidos
e) fazer a fiscalização ambiental
No que diz respeito
ao prazo para o cumprimento dessas obrigações, a resposta é a seguinte:
a) 2 anos para a elaboração do plano
municipal de gestão integrada de resíduos sólidos (art. 18 e 55 da Lei n. 12.305/2010)
b) a limpeza urbana e manejo de resíduos
sólidos básicos é de implementação imediata, até porque essa obrigação é
anterior à Política Nacional de Resíduos Sólidos
c) 4 anos para a implementação da disposição
final ambientalmente adequada de resíduos sólidos (art. 54 da Lei n. 12.305/2010)
d) a fiscalização é de implementação imediata,
até porque essa obrigação é anterior à Política Nacional de Resíduos Sólidos
No que diz respeito à
responsabilidade pelo descumprimento das obrigações citadas, poderão responder
a Prefeitura e os gestores públicos. Impende destacar que a cadeia de
responsabilidade não envolve apenas o Prefeito, mas todos os gestores públicos
que estiverem dentro da linha de responsabilidade, pois é o que determina a Lei
n. 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais):
Art.
2º. Quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes previstos nesta
Lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida da sua culpabilidade, bem
como o diretor, o administrador, o membro de conselho e de órgão técnico, o
auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica, que, sabendo
da conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a sua prática, quando podia
agir para evitá-la.
Por conseguinte,
secretários, coordenadores e dirigentes de agências, autarquias ou fundações com
atuação na área ambiental também poderão ser responsabilizados, na medida de
sua culpabilidade e sua possibilidade de atuação para resolver o problema.
E, por fim, no que
diz respeito a como essa responsabilização pode ocorrer, é importante destacar
que a Constituição Federal de 1988 estabeleceu a tríplice responsabilidade em
matéria ambiental:
Art.
225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso
comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder
Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes
e futuras gerações.
(...)
§
3º. As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão
os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e
administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
Portanto, a responsabilização
pode ocorrer na esfera administrativa, cível ou criminal.
Na esfera
administrativa o Decreto n. 6.514/2008 dispõem sobre as sanções administrativas,
que normalmente são aplicadas apenas contra a Prefeitura:
Art.
62. Incorre nas mesmas multas do art. 61
quem:
V
- lançar resíduos sólidos, líquidos ou gasosos ou detritos, óleos ou
substâncias oleosas em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou
atos normativos;
VI
- deixar, aquele que tem obrigação, de dar destinação ambientalmente adequada a
produtos, subprodutos, embalagens, resíduos ou substâncias quando assim determinar
a lei ou ato normativo;
IX
- lançar resíduos sólidos ou rejeitos em praias, no mar ou quaisquer recursos
hídricos;
X
- lançar resíduos sólidos ou rejeitos in natura a céu aberto, excetuados os
resíduos de mineração;
XI
- queimar resíduos sólidos ou rejeitos a céu aberto ou em recipientes,
instalações e equipamentos não licenciados para a atividade;
XII
- descumprir obrigação prevista no sistema de logística reversa implantado nos
termos da Lei n. 12.305, de 2010, consoante as responsabilidades específicas
estabelecidas para o referido sistema;
XIII
- deixar de segregar resíduos sólidos na forma estabelecida para a coleta
seletiva, quando a referida coleta for instituída pelo titular do serviço
público de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos;
XIV
- destinar resíduos sólidos urbanos à recuperação energética em desconformidade
com o § 1º do art. 9º da Lei n. 12.305, de 2010, e respectivo regulamento;
XV
- deixar de manter atualizadas e disponíveis ao órgão municipal competente e a
outras autoridades informações completas sobre a realização das ações do
sistema de logística reversa sobre sua responsabilidade;
XVI
- não manter atualizadas e disponíveis ao órgão municipal competente, ao órgão
licenciador do SISNAMA e a outras autoridades, informações completas sobre a
implementação e a operacionalização do plano de gerenciamento de resíduos
sólidos sob sua responsabilidade; e
XVII
- deixar de atender às regras sobre registro, gerenciamento e informação
previstos no § 2º do art. 39 da Lei n. 12.305, de 2010.
§
1º As multas de que tratam os incisos I a XI deste artigo serão aplicadas após
laudo de constatação.
§
2º Os consumidores que descumprirem as respectivas obrigações previstas nos
sistemas de logística reversa e de coleta seletiva estarão sujeitos à
penalidade de advertência.
§
3º No caso de reincidência no cometimento da infração prevista no § 2º poderá ser
aplicada a penalidade de multa, no valor de R$ 50,00 (cinquenta reais) a R$
500,00 (quinhentos reais).
§
4º A multa simples a que se refere o § 3º pode ser convertida em serviços de
preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente.
§
5º Não estão compreendidas na infração do inciso IX as atividades de
deslocamento de material do leito de corpos d’água por meio de dragagem,
devidamente licenciado ou aprovado.
§
6º As bacias de decantação de resíduos ou rejeitos industriais ou de mineração,
devidamente licenciadas pelo órgão competente do SISNAMA, não são consideradas
corpos hídricos para efeitos do disposto no inciso IX.
Art.
61. Causar poluição de qualquer natureza
em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que
provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da
biodiversidade:
Multa
de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de
reais).
Art.
80. Deixar de atender a exigências
legais ou regulamentares quando devidamente notificado pela autoridade
ambiental competente no prazo concedido, visando à regularização, correção ou
adoção de medidas de controle para cessar a degradação ambiental: Multa de R$
1.000,00 (mil reais) a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais).
Na esfera cível, o §
1º do art. 14 da Lei n. 6.938/81 e o art. 51 da Lei n. 12.305/2010 estabelecem
a responsabilidade objetiva, de forma que é necessário apenas o nexo de
causalidade entre o ato e o dano para que haja a responsabilidade civil do
agente causador do dano independente de decorrer ele de ato lícito ou de risco.
A diferença é que as
pessoas do Prefeito e dos demais gestores públicos citados podem ser
responsabilizados na condição de poluidores indiretos, nos termos do inciso III
do art. 3º da Lei n. 6.938/81.
Na esfera penal a Lei
n. 9.605/98 tipifica os crimes relacionados ao descumprimento das obrigações mencionadas:
Art.
54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam
resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a
destruição significativa da flora:
Pena
- reclusão, de um a quatro anos, e multa.
§
1º Se o crime é culposo:
Pena
- detenção, de seis meses a um ano, e multa.
§
2º Se o crime:
I
- tornar uma área, urbana ou rural, imprópria para a ocupação humana;
II
- causar poluição atmosférica que provoque a retirada, ainda que momentânea,
dos habitantes das áreas afetadas, ou que cause danos diretos à saúde da
população;
III
- causar poluição hídrica que torne necessária a interrupção do abastecimento
público de água de uma comunidade;
IV
- dificultar ou impedir o uso público das praias;
V
- ocorrer por lançamento de resíduos sólidos, líquidos ou gasosos, ou detritos,
óleos ou substâncias oleosas, em desacordo com as exigências estabelecidas em
leis ou regulamentos:
Pena
- reclusão, de um a cinco anos.
§
3º Incorre nas mesmas penas previstas no parágrafo anterior quem deixar de
adotar, quando assim o exigir a autoridade competente, medidas de precaução em
caso de risco de dano ambiental grave ou irreversível.
Art.
68. Deixar, aquele que tiver o dever legal ou contratual de fazê-lo, de cumprir
obrigação de relevante interesse ambiental:
Pena
- detenção, de um a três anos, e multa.
Parágrafo
único. Se o crime é culposo, a pena é de três meses a um ano, sem prejuízo da
multa.
A Lei n. 8.429/92,
mais conhecida como Lei de Improbidade Administrativa, disciplina as hipóteses
de atos de improbidade administrativa cometidos pelo Prefeito e pelos demais
gestores relacionados com a área de gestão de resíduos sólidos. O intuito não é
enquadras apenas os atos meramente ilegais, mas também os que simplesmente
afrontarem os princípios da Administração Pública, a exemplo da moralidade
administrativa.
A Política Nacional
dos Resíduos Sólidos é realmente um ótimo exemplo de mecanismo de proteção
ambiental situado no âmbito do Poder Público, tendo em vista a sua abrangência
e efetividade. Qualquer ato improbo que envolver os resíduos sólidos, além de
afetar a Administração Pública certamente lesará também o meio ambiente, já que
produzirá contaminação e degradação ambiental e social:
Art.
11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios
da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de
honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e
notadamente:
I
- praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto,
na regra de competência;
II
- retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;
III
- revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e
que deva permanecer em segredo;
IV
- negar publicidade aos atos oficiais;
V
- frustrar a licitude de concurso público;
VI
- deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo;
VII
- revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da
respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de
afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço.
Art.
12. Independentemente das sanções
penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o
responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem
ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato:
(Redação dada pela Lei nº 12.120, de 2009).
(...)
III
- na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da
função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos,
pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo
agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou
incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por
intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de
três anos.
Parágrafo
único. Na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a
extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente.
Portanto, a
Prefeitura pode ser responsabilizada nas esferas administrativa, cível e
criminal, ao passo que o Prefeito e demais gestores relacionados com a área de
gestão de resíduos sólidos poderão ser responsabilizados civilmente e
criminalmente, sem deixar de falar na improbidade administrativa cometida.