segunda-feira, 20 de julho de 2009

Dia do Amigo


Hoje é o dia do amigo, e a belíssima frase de Vinícius de Moraes transcrita abaixo é a minha homenagem a esses irmãos e irmãs que escolhemos para trilhar conosco nessa longa caminhada que é a vida:

Eu poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem morrido todosos meus amores, mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos!
Um abraço a todos os amigos e a todos os meus amigos.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

"Leituras Complementares de Direito Constitucional: Teoria do Estado"


Já está à venda pela Internet o livro "Leituras complementares de direito constitucional: teoria do Estado", organizado pelos professores Agassiz Almeida Filho e Marcelo Novelino e publicado pela Editora JusPodivm. Eu tenho a honra de ser co-autor dessa coletânea com o modesto capítulo "Repartição da competência legislativa em matéria ambiental", um tema de grande importância em face dos cotidianos conflitos existentes na área. Aliás, o recente problema do Código Florestal de Santa Catarina ilustra bem essa questão, pois houve um verdadeiro atentado ao federalismo com a redução das áreas de preservação permanente em até 5 (cinco) metros. Eis o sumário da obra:

Sumário

Capítulo I
O ESTADO
Vinícius Soares de Campos Barros

Capítulo II
CAMINHOS DA UNIDADE
Agassiz Almeida Filho

Capítulo III
O PARADIGMA VESTEFALIANO E O ESTADO CONTEMPORÂNEO O que 1648 tem ainda a dizer em 2008?
Marcílio Toscano Franca Filho

Capítulo IV
A POSSE AD ESSE: Uma análise dos pressupostos histórico-conceituais do poder constituinte enquanto fato político e categoria científica
Hugo César Araújo de Gusmão

Capítulo V
REFLEXÕES SOBRE UMA PERSPECTIVA POLÍTICA DA DEMOCRACIA
Emerson Barros de Aguiar

Capítulo VI
TEORIA DEMOCRÁTICA CONTEMPORÂNEA: DE SCHUMPETER A MAINWARING
Armando Albuquerque

Capítulo VII
APORIAS ACERCA DO"CONDOMÍNIO LEGISLATIVO" NO BRASIL: UMA ANÁLISE A PARTIR DO STF
André Ramos Tavares

Capítulo VIII
REPARTIÇÃO DA COMPETÊNCIA LEGISLATIVA EM MATÉRIA AMBIENTAL
Talden Farias

Capítulo IX
DELINEAMENTO DAS COMPETÊNCIAS FEDERATIVAS NO BRASIL
Walber de Moura Agra

Capítulo X
INTERVENÇÃO FEDERATIVA: SUBSIDIARIEDADE
Luciana Campanelli Romeu e Olavo Augusto Vianna Alves Ferreira

Capítulo XI
INTERVENÇÃO FEDERAL NOS ESTADOS-MEMBROS: CONCEITO E NATUREZA
Francisco Bilac Pinto

Observação: Eu não teci nenhum comentário a respeito dos trabalhos dos colegas porque o livro ainda não chegou às minhas mãos.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

"Biblioteca de Amaury", de Aílton Elisiário

Há poucos dias meu irmão mais velho adquiriu a biblioteca de Amaury Vasconcelos, um dos mais renomados advogados da história da Paraíba. O rico acervo de obras literárias, e, em particular, de literatura regional, fez com que a biblioteca se tornasse uma referência estadual. Tanto que a Universidade Federal da Paraíba tentou adquiri-la, sob a intermediação do ex-Reitor Neroaldo Pontes, mas a burocracia estatal não permitiu.
O ideal é que essas bibliotecas façam parte de acervos públicos, democratizando o acesso à cultura e incentivando a pesquisa. A realidade, no entanto, demonstra que na maioria dos casos a biblioteca dos intelectuais se perde, o que confirma o adágio popular segundo o qual "o maior inimigo das bibliotecas não são as traças e sim as viúvas". Com efeito, são inúmeros os casos em que os livros são distribuídos ou vendidos de forma individualizada, fazendo com que deixe de existir a identidade do conjunto - quando não são jogados no lixo, como também já ocorreu.

A exceção ocorre quando o intelectual deixou algum filho, neto ou sobrinho que compatilhe da mesmoa paixão pelos livros. No caso, o próprio Amaury pediu para que a esposa não pulverizasse o acervo, devendo Beth doá-la ou vendê-la a uma única pessoa ou instituição. Ao fazer a venda, não se pode negar que a viúva realizou de alguma forma a vontade do marido, pois a integralidade da biblioteca foi mantida, de maneira que o maldadado adágio não se concretizou desta vez.

Com a adquisição da biblioteca por Taney, e eu tenho certeza que a memória desse advogado e escritor será preservada de alguma forma. Eis, agora, um resumo da biografia dele e, em seguida, um texto escrito pelo professor Aílton Elisiário (foto) sobre a venda da biblioteca:

Amaury é autor de vários livros, dedicando-se à crônica e à poesia, além de escrever antologias e biografias. Era amigo de grandes escritores, como Ariano Suassuna e Jorge Amado, tendo aquele prefaciado a sua obra "Antologia dos oradores paraibanos" (João Pessoa: Editora da União, 2001). Foi professor da Universidade Estadual da Paraíba e da Universidade Federal da Paraíba, tendo sido diretor da Faculdade de Ciências Econômicas. Fez parte da Academia Paraibana de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, e fundou a Academia Campinense de Letras, a qual inclusive leva o seu nome. Também exerceu cargos importantes na política, como o de Secretário da Casa Civil do Governo Ernânni Sátyro (1971-1974).



Biblioteca de Amaury

Li no Jornal da Paraíba deste último final de semana que a biblioteca de Amaury Vasconcelos havia sido adquirida por Taney Farias, ilustre advogado campinense e filho de outro advogado não menos ilustre, Leidson Farias.
Amaury Vasconcelos, não é nunca demais lembrar, foi advogado, professor, literato, orador, escritor, membro do Conselho de Cultura do Estado da Paraíba, presidente e fundador da Academia de Letras de Campina Grande, entre tantos outros exercícios, que se foi em 2007. Perda inestimável que o mundo literário paraibano terá dificuldades em suprir-lhe a vacância.

No mesmo dia em que tomava conhecimento da notícia, me encontrava com Luis Carlos, também advogado e amigo, que me confirmava o fato, adicionando a informação de que os membros da família Farias, vizinhos que foram da casa de Amaury, tinham todos eles uma profunda admiração pelo saudoso tribuno. E que, não tanto somente por isto, Taney iria instalar em espaço próprio de seu escritório em Recife, a biblioteca que fora de Amaury e dar-lhe o seu consagrado nome. E mais, que Beth, a esposa de Amaury, havia ficado muito satisfeita com tal aquisição, não obstante haver procurado direcionar a biblioteca para o acervo da biblioteca da Universidade Federal da Paraíba, sem que tivesse havido retorno no tempo esperado.

Na condição de amigo e compadre de Amaury e hoje presidente da Academia de Letras de Campina Grande, confesso que fiquei bastante feliz pela iniciativa de Taney, não especificamente pela aquisição da biblioteca, mas principalmente pela homenagem que ele vem a prestar ao saudoso companheiro, contribuindo ainda mais para a consolidação da sua imortalidade acadêmica, agora mais longe ainda da terra onde ele viveu quase toda a sua vida.

Confesso, todavia, também, a minha tristeza por não ter podido a Academia adquirir tão rico tesouro. A biblioteca da Academia estaria, sem dúvidas, muito enriquecida se tivesse havido a chance de incorporar a biblioteca de Amaury, evento que desde a sua morte havia pensado e desejado, mas infelizmente não concretizado por absoluta falta de condição para tanto.

Não é de se admirar essa impotência, quando ainda hoje, depois de 28 anos de existência, a Academia ainda não foi alvo da sensibilidade e reconhecimento dos governantes e demais políticos da cidade em dar-lhe sede apropriada e definitiva. Vagando a esmo, da demolida casa de Amaury na rua desembargador Trindade, passando pelo modesto escritório de Moacir Germano na Liberdade e hoje na esquecida casa do idolatrado Severino Cabral na rua Getúlio Vargas, se a Academia não tem recursos financeiros disponíveis que lhe propicie adquirir sua própria sede para melhor realizar suas atividades, como teria para adquirir tão brilhante acervo?

Como bom seria que o poder público municipal e estadual, a iniciativa privada local, os próprios acadêmicos e tantos que valorizam a cultura e a literatura, olhassem para tão gritante aflição e em regime de mecenato olhassem para a Academia e lhe oferecessem o ambiente perfeito. Um dia, porém, haverei de ver, se não meus descendentes, a Academia aberta em lugar que é seu, a biblioteca robusta desempoeirada e a cidade cultuando a literatura no real templo das letras campinenses.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

"Difícil Arte de Ser Mulher", de Frei Betto

Hours concours em Cannes, um dos filmes de maior sucesso no badalado festival francês foi "Ágora", direção de Alejandro Amenabar. A estrela é a inglesa Rachel Weiz, premiada com o Oscar 2006 de melhor atriz coadjuvante em "O jardineiro fiel", dirigido por Fernando Meirelles.

Em "Ágora" ela interpreta Hipácia, única mulher da Antiguidade a se destacar como cientista. Astrônoma, física, matemática e filósofa, Hipácia nasceu em 370, em Alexandria. Foi a última grande cientista de renome a trabalhar na lendária biblioteca daquela cidade egípcia. Na Academia de Atenas ocupou, aos 30 anos, a cadeira de Plotino. Escreveu tratados sobre Euclides e Ptolomeu, desenvolveu um mapa de corpos celestes e teria inventado novos modelos de astrolábio, planisfério e hidrômetro.

Neoplatônica, Hipácia defendia a liberdade de religião e de pensamento. Acreditava que o Universo era regido por leis matemáticas. Tais ideias suscitaram a ira de fundamentalistas cristãos que, em plena decadência do Império Romano, lutavam por conquistar a hegemonia cultural.

Em 415, instigados por Cirilo, bispo de Alexandria, fanáticos arrastaram Hipácia a uma igreja, esfolaram-na com cacos de cerâmica e conchas e, após assassiná-la, atiraram o corpo a uma fogueira. Sua morte selou, por mil anos, a estagnação da matemática ocidental. Cirilo foi canonizado por Roma.

O filme de Amenabar é pertinente nesse momento em que o fanatismo religioso se revigora mundo afora. Contudo, toca também outro tema mais profundo: a opressão contra a mulher. Hoje, ela se manifesta por recursos tão sofisticados que chegam a convencer as próprias mulheres de que esse é o caminho certo da libertação feminina.

Na sociedade capitalista, onde o lucro impera acima de todos os valores, o padrão machista de cultura associa erotismo e mercadoria. A isca é a imagem estereotipada da mulher. Sua autoestima é deslocada para o sentir-se desejada; seu corpo é violentamente modelado segundo padrões consumistas de beleza; seus atributos físicos se tornam onipresentes.

Onde há oferta de produtos - TV, internet, outdoor, revista, jornal, folheto, cartaz afixado em veículos, e o merchandising embutido em telenovelas - o que se vê é uma profusão de seios, nádegas, lábios, coxas etc. É o açougue virtual. Hipácia é castrada em sua inteligência, em seus talentos e valores subjetivos, e agora dilacerada pelas conveniências do mercado. É sutilmente esfolada na ânsia de atingir a perfeição.

Segundo a ironia da Ciranda da bailarina, de Edu Lobo e Chico Buarque, "Procurando bem / todo mundo tem pereba / marca de bexiga ou vacina / e tem piriri, tem lombriga, tem ameba / só a bailarina que não tem". Se tiver, será execrada pelos padrões machistas por ser gorda, velha, sem atributos físicos que a tornem desejável.

Se abre a boca, deve falar de emoções, nunca de valores; de fantasias, e não de realidade; da vida privada e não da pública (política). E aceitar ser lisonjeiramente reduzida à irracionalidade analógica: "gata", "vaca", "avião", "melancia" etc.

Para evitar ser execrada, agora Hipácia deve controlar o peso à custa de enormes sacrifícios (quem dera destinasse aos famintos o que deixa de ingerir...), mudar o vestuário o mais frequentemente possível, submeter-se à cirurgia plástica por mera questão de vaidade (e pensar que este ramo da medicina foi criado para corrigir anomalias físicas e não para dedicar-se a caprichos estéticos).

Toda mulher sabe: melhor que ser atraente, é ser amada. Mas o amor é um valor anticapitalista. Supõe solidariedade e não competitividade; partilha e não acúmulo; doação e não possessão. E o machismo impregnado nessa cultura voltada ao consumismo teme a alteridade feminina. Melhor fomentar a mulher-objeto (de consumo).

Na guerra dos sexos, historicamente é o homem quem dita o lugar da mulher. Ele tem a posse dos bens (patrimônio); a ela cabe o cuidado da casa (matrimônio). E, é claro, ela é incluída entre os bens... Vide o tradicional costume de, no casamento, incluir o sobrenome do marido ao nome da mulher.

No Brasil colonial, dizia-se que à mulher do senhor de escravos era permitido sair de casa apenas três vezes: para ser batizada, casada e enterrada... Ainda hoje, a Hipácia interessada em matemática e filosofia é, no mínimo, uma ameaça aos homens que não querem compartir, e sim dominar. Eles são repletos de vontades e parcos de inteligência, ainda que cultos.
Se o atrativo é o que se vê, por que o espanto ao saber que a média atual de durabilidade conjugal no Brasil é de sete anos? Como exigir que homens se interessem por mulheres que carecem de atributos físicos ou quando estes são vencidos pela idade?


Pena que ainda não inventaram botox para a alma. E nem cirurgia plástica para a subjetividade.

Fonte: Adital 20/06/09

"Reciprocidade ou Morte", de Leonardo Boff

Eis um texto da mais alta beleza e profundidade, escrito pelo teólogo Leonardo Boff, versando sobre a questão da crise ambiental e suas raízes filosóficas. Trata-se de um alerta sobre a civilização humana e a necessidade de estabelecimento de um pacto ecológico, que sucederia o contrato social:

Desde que os seres humanos decidiram viver juntos, estabeleceram um contrato social não escrito pelo qual formularam normas, proibições e propósitos comuns que permitissem uma convivência minimamente pacífica.

Depois surgiram os pensadores que lhe deram um estatuto formal como Locke, Kant e Rousseau. Todos esses contratos históricos têm um defeito: supõem indivíduos nus e acósmicos, sem qualquer ligação com a natureza e a Terra. Os contratos sociais ignoram e silenciam totalmente o contrato natural. Mais ainda, a partir dos pais fundadores da modernidade, Descartes e Bacon, implantou-se a ilusão de que o ser humano está acima e fora da natureza com o propósito de domínio e posse da Terra. Este projeto continua a se realizar mediante a guerra de conquista seguida pela apropriação de todos os recursos e serviços naturais. Atrás sempre fica um rastro de devastação da natureza e de desumanização brutal. Antes se fazia guerra e apropriação de regiões ou povos. Hoje conquistaram-se todos os espaços e se conduz uma guerra total e sem tréguas contra a Terra, seus bens e serviços, explorado-os até a sua exaustão. Ela não tem mais descanso, refúgio ou espaço de recuo.

A agressão é global e a reação da Terra-Gaia está sendo também global. A resposta é o complexo de crises, reunidas no devastador aquecimento global. É a vingança de Gaia.

Não temos outra saída senão reintroduzir consciente e rapidamente o que havíamos deixado para trás: o contrato natural articulado com o contrato social. Trata-se de superar nosso arrogante antropocentrismo e colocar todas as coisas em seu lugar e nós junto delas como parte de um todo.

Que é o contrato natural? É o reconhecimento do ser humano de que ele está inserido na natureza, de quem tudo recebe, que deve comportar-se como filho e filha da Mãe Terra, restituindo-lhe cuidado e proteção para que ela continue a fazer o que desde sempre faz: dar-nos vida e os meios da vida. O contrato natural, como todos os contratos, supõe a reciprocidade. A natureza nos dá tudo o que precisamos e nós, em contrapartida, a respeitamos e reconhecemos seu direito de existir e lhe preservamos a integridade e a vitalidade.

Ao contrato exclusivamente social, devemos agregar agora o contrato natural de reciprocidade e simbiose. Renunciamos a dominar e a possuir e nos irmanamos com todas as coisas. Não as usamos simplesmente, mas, ao usá-las quando precisamos, as contemplamos, admiramos sua beleza e organicidade e cuidamos delas. A natureza é o nosso hospedeiro generoso e nós seus hóspedes agradecidos. Ao invés de uma trégua nesta guerra sem fim, estabelecemos uma paz perene com a natureza e a Terra.

A crise econômica de 1929 sequer punha em questão a natureza e a Terra. O pressuposto ilusório era de que elas estão sempre aí, disponíveis e com recursos infinitos. Hoje a situação mudou. Já não podemos dar por descontada a Terra com seus bens e serviços. Estes mostraram-se finitos e a capacidade de sua reposição já foi ultrapassada em 40%.

Quando esse fator é trazido ao debate na busca de soluções para a crise atual? Somos dominados por economistas, em sua grande maioria, verdadeiros idiotas especializados - Fachidioten - que não vêem senão números, mercados e moedas esquecendo que comem, bebem, respiram e pisam solos contaminados. Quer dizer, que só podem fazer o que fazem porque estão assentados na natureza que lhes possibilita fazer tudo o que fazem, especialmente, dar razões ao egoísmo e às barbaridades que a atual economia faz prejudicando milhões e milhões de pessoas e que vai minando a base que a sustenta.

Ou restabelecemos a reciprocidade entre natureza e ser humano e rearticulamos o contrato social com o natural ou então aceitamos o risco de sermos expulsos e eliminados por Gaia. Confio no aprendizado a partir do sofrimento e do uso do pouco bom senso que ainda nos resta.

Fonte: Adital 18/06/09

domingo, 5 de julho de 2009

"O Desmonte da Legislação Ambiental Brasileira", de João Paulo Capobianco

O texto em questão me foi enviado por Dr. José Eulâmpio Duarte, atuante Promotor de Justiça de Meio Ambiente de Campina Grande, Estado da Paraíba, e foi escrito por João Paulo Capobianco, ex-Secretário Executivo do Ministério do Meio Ambiente na gestão Marina da Silva. O enfoque são os ataques que a legislação ambiental brasileira vem sofrendo nos últimos tempos, com retrocessos propostos pela oposição e pela situação, a exemplo da flexibilização da exigência do licenciamento ambiental:

Se para muitas pessoas há dúvidas sobre como o Brasil enfrentará o seu enorme atraso em se preparar para o desenvolvimento sustentável, resultado de décadas de falta de investimentos em planejamento territorial e produção de conhecimentos científicos sobre suas fragilidades e potencialidades socioambientais, para o Governo Federal e a maioria dos parlamentares elas não existem. Será à custa de seu patrimônio natural e à revelia de setores sociais considerados minoritários.

Isto é o que fica claro quando se analisa as recentes iniciativas de modificação dos procedimentos de licenciamento e proteção ambiental e de reconhecimento de direitos indígenas e quilombolas, em estudo e já aprovadas ou em fase final de aprovação no âmbito do executivo e no Congresso Nacional.

Entre as medidas em elaboração neste sentido, destaca-se a proposta do Ministério de Assuntos Estratégicos de criação de uma "via rápida" para o licenciamento de obras de infraestrutura na Amazônia Legal. Segundo o que está sendo proposto, caberá ao Comitê Gestor do Programa de Aceleração do Crescimento (CGPAC) definir as obras de infraestrutura logística na região a serem classificadas como estratégicas para o desenvolvimento regional e nacional. Uma vez assim definidas, estarão sujeitas a procedimentos extraordinários de licenciamento ambiental, entre os quais a fixação de um prazo máximo de até quatro meses para o cumprimento de todas as exigências legais, incluindo a análise do estudo prévio de impacto ambiental.

A inviabilidade de que qualquer procedimento sério de análise ambiental seja feito nestas condições ficou cabalmente comprovada durante o processo de licenciamento do asfaltamento da rodovia Cuiabá-Santarém - obra considerada prioritária e que, justamente por isso, contou com a intensa colaboração de técnicos e representantes de quinze ministérios. Todos os envolvidos tiveram a oportunidade de verificar e vivenciar as dificuldades de se obter, reunir, organizar e disponibilizar as informações mínimas necessárias à tomada de decisão responsável sobre uma obra de impacto socioambiental regional como essa e tantas outras previstas no PAC. Foram cerca de dois anos de trabalho, incluindo diversas audiências públicas na região e em Brasília, para que se chegasse à definição dos condicionantes para a emissão da licença ambiental.

Essa "demora", como alguns classificam o tempo que se demandou para construir soluções socioambientais minimamente adequadas para a BR 163, foi para uma estrada já existente e em operação, embora em péssimas condições. Processos similares em áreas sem significativa intervenção antrópica até o presente certamente exigirão tempo e esforço interinstitucional ainda maior, pois cortam ou interferem em locais onde impera a ausência de informações e de organização social.

Mas para quem considera esta ideia absurda, outra medida nesse mesmo sentido e muito mais radical não apenas foi proposta, como acaba de ser aprovada na Câmara dos Deputados e se encontra em análise pelo Senado. Trata-se da alteração promovida MP 452/2008 que, segundo informado à imprensa pelo seu relator, teria sido promovida por orientação do Palácio do Planalto.

Alteração da Lei

Concebida originalmente para criar o Fundo Soberano do Brasil e autorizar o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes – DNIT a executar obras nas rodovias transferidas a entes da Federação, essa MP acabou por incluir, durante e votação na Câmara, um dispositivo que altera de forma grave a Lei 6.938/81, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente. Com isso, aprovou-se a dispensa de licenciamento ambiental para obras rodoviárias de pavimentação, melhoramentos, adequação e ampliação de capacidade a serem executadas no âmbito das faixas de domínio de rodovias federais existentes. Além disso, introduziu pela primeira vez no arcabouço legal brasileiro a figura do licenciamento por decurso de prazo, ao estabelecer um limite de sessenta dias para que o órgão ambiental emita licença para instalação, Autorizações de Supressão de Vegetação – ASV e demais autorizações ambientais necessárias para a execução dessas obras. Findo esse prazo, fica autorizado o início das obras.

A justificativa para essa mudança na legislação está no fato de que as rodovias que integram a malha viária federal têm destinação vinculada em lei, constam do Plano Nacional de Viação – PNV e já causaram os principais impactos ambientais quando foram construídas. Ocorre que esta destinação jamais foi objeto de avaliação ambiental e a medida vai muito além de obras para reforma e reparos em estradas, como inicialmente se supunha e que já é tratado, inclusive, em uma portaria conjunta dos ministérios do Meio Ambiente e dos Transportes.Na realidade, ao incluir a dispensa de licenciamento ambiental para asfaltamento e duplicação de estradas federais, a MP 452, se aprovada pelo Senado e não for vetada pelo Presidente da República, permitirá que modificações profundas ocorram em suas áreas de influência sem qualquer avaliação prévia de suas consequências ambientais e sociais. Isto contradiz todo o conhecimento acumulado no País e no exterior sobre o enorme potencial de degradação de obras deste tipo.

DisplicênciaO grau de displicência para com a legislação ambiental que parece dominar a forma de atuar dos atuais dirigentes do governo federal é ainda mais impressionante quando é informado que este gravíssimo precedente, promovido sem qualquer avaliação ou debate público, visaria na realidade, segundo vem sendo divulgado através da imprensa, atender a uma demanda política configurada pela insistência atual dirigente do Ministério dos Transportes em asfaltar a BR 319, que liga Porto Velho a Manaus, onde estão os seus eleitores. Como a obtenção da licença para o asfaltamento desta estrada, que em vários trechos só existe em mapas de décadas passadas, vinha encontrando sérias dificuldades por cortar uma área extremamente preservada no estado do Amazonas além de ter significado econômico discutível, a solução encontrada foi criar um atalho que evitasse a legislação ambiental e suas exigências.

Essas iniciativas relatadas se agravam quando verificamos outras em curso, como as medidas provisórias que alteram de forma perigosa os requisitos para a regularização fundiária na Amazônia e a que modifica a classificação de pequenas centrais hidrelétricas a fim de facilitar o licenciamento ambiental; o recente decreto que alterou os condicionantes para a proteção de cavidades naturais subterrâneas; e os 18 projetos de Decreto Legislativo que visam reverter medidas administrativas de proteção do meio ambiente, entre os quais o Decreto 6.321/2007, fundamental para o controle do desmatamento na Amazônia.É evidente que a legislação ambiental pode e deve ser permanentemente aprimorada. No caso do licenciamento, há dificuldades, demoras excessivas e, muitas vezes, excesso de burocracia injustificável e contraditório com as necessidades do País.

Entretanto, querer resolver essas dificuldades intrínsecas ao processo de planejamento e implantação de obras complexas em regiões sensíveis com a caneta em Brasília certamente trará mais demoras e dificuldades do que o sistema atualmente em vigor. Isso porque essa forma de solução de conflitos socioambientais partindo do pressuposto que eles podem deixar de existir pela simples mudança da legislação, baseia-se na falsa idéia de que a sociedade brasileira não dispõe de instrumentos legais e capacidade política para reagir ao desmonte em curso da legislação ambiental brasileira construída durante décadas de árduo trabalho coletivo, inclusive em períodos em que se supunha haver mais autoritarismo no que nos de hoje.