Há poucos dias meu irmão mais velho adquiriu a biblioteca de Amaury Vasconcelos, um dos mais renomados advogados da história da Paraíba. O rico acervo de obras literárias, e, em particular, de literatura regional, fez com que a biblioteca se tornasse uma referência estadual. Tanto que a Universidade Federal da Paraíba tentou adquiri-la, sob a intermediação do ex-Reitor Neroaldo Pontes, mas a burocracia estatal não permitiu.
O ideal é que essas bibliotecas façam parte de acervos públicos, democratizando o acesso à cultura e incentivando a pesquisa. A realidade, no entanto, demonstra que na maioria dos casos a biblioteca dos intelectuais se perde, o que confirma o adágio popular segundo o qual "o maior inimigo das bibliotecas não são as traças e sim as viúvas". Com efeito, são inúmeros os casos em que os livros são distribuídos ou vendidos de forma individualizada, fazendo com que deixe de existir a identidade do conjunto - quando não são jogados no lixo, como também já ocorreu.
A exceção ocorre quando o intelectual deixou algum filho, neto ou sobrinho que compatilhe da mesmoa paixão pelos livros. No caso, o próprio Amaury pediu para que a esposa não pulverizasse o acervo, devendo Beth doá-la ou vendê-la a uma única pessoa ou instituição. Ao fazer a venda, não se pode negar que a viúva realizou de alguma forma a vontade do marido, pois a integralidade da biblioteca foi mantida, de maneira que o maldadado adágio não se concretizou desta vez.
Com a adquisição da biblioteca por Taney, e eu tenho certeza que a memória desse advogado e escritor será preservada de alguma forma. Eis, agora, um resumo da biografia dele e, em seguida, um texto escrito pelo professor Aílton Elisiário (foto) sobre a venda da biblioteca:
Amaury é autor de vários livros, dedicando-se à crônica e à poesia, além de escrever antologias e biografias. Era amigo de grandes escritores, como Ariano Suassuna e Jorge Amado, tendo aquele prefaciado a sua obra "Antologia dos oradores paraibanos" (João Pessoa: Editora da União, 2001). Foi professor da Universidade Estadual da Paraíba e da Universidade Federal da Paraíba, tendo sido diretor da Faculdade de Ciências Econômicas. Fez parte da Academia Paraibana de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, e fundou a Academia Campinense de Letras, a qual inclusive leva o seu nome. Também exerceu cargos importantes na política, como o de Secretário da Casa Civil do Governo Ernânni Sátyro (1971-1974).
Biblioteca de Amaury
Li no Jornal da Paraíba deste último final de semana que a biblioteca de Amaury Vasconcelos havia sido adquirida por Taney Farias, ilustre advogado campinense e filho de outro advogado não menos ilustre, Leidson Farias.
Amaury Vasconcelos, não é nunca demais lembrar, foi advogado, professor, literato, orador, escritor, membro do Conselho de Cultura do Estado da Paraíba, presidente e fundador da Academia de Letras de Campina Grande, entre tantos outros exercícios, que se foi em 2007. Perda inestimável que o mundo literário paraibano terá dificuldades em suprir-lhe a vacância.
No mesmo dia em que tomava conhecimento da notícia, me encontrava com Luis Carlos, também advogado e amigo, que me confirmava o fato, adicionando a informação de que os membros da família Farias, vizinhos que foram da casa de Amaury, tinham todos eles uma profunda admiração pelo saudoso tribuno. E que, não tanto somente por isto, Taney iria instalar em espaço próprio de seu escritório em Recife, a biblioteca que fora de Amaury e dar-lhe o seu consagrado nome. E mais, que Beth, a esposa de Amaury, havia ficado muito satisfeita com tal aquisição, não obstante haver procurado direcionar a biblioteca para o acervo da biblioteca da Universidade Federal da Paraíba, sem que tivesse havido retorno no tempo esperado.
Na condição de amigo e compadre de Amaury e hoje presidente da Academia de Letras de Campina Grande, confesso que fiquei bastante feliz pela iniciativa de Taney, não especificamente pela aquisição da biblioteca, mas principalmente pela homenagem que ele vem a prestar ao saudoso companheiro, contribuindo ainda mais para a consolidação da sua imortalidade acadêmica, agora mais longe ainda da terra onde ele viveu quase toda a sua vida.
Confesso, todavia, também, a minha tristeza por não ter podido a Academia adquirir tão rico tesouro. A biblioteca da Academia estaria, sem dúvidas, muito enriquecida se tivesse havido a chance de incorporar a biblioteca de Amaury, evento que desde a sua morte havia pensado e desejado, mas infelizmente não concretizado por absoluta falta de condição para tanto.
Não é de se admirar essa impotência, quando ainda hoje, depois de 28 anos de existência, a Academia ainda não foi alvo da sensibilidade e reconhecimento dos governantes e demais políticos da cidade em dar-lhe sede apropriada e definitiva. Vagando a esmo, da demolida casa de Amaury na rua desembargador Trindade, passando pelo modesto escritório de Moacir Germano na Liberdade e hoje na esquecida casa do idolatrado Severino Cabral na rua Getúlio Vargas, se a Academia não tem recursos financeiros disponíveis que lhe propicie adquirir sua própria sede para melhor realizar suas atividades, como teria para adquirir tão brilhante acervo?
Como bom seria que o poder público municipal e estadual, a iniciativa privada local, os próprios acadêmicos e tantos que valorizam a cultura e a literatura, olhassem para tão gritante aflição e em regime de mecenato olhassem para a Academia e lhe oferecessem o ambiente perfeito. Um dia, porém, haverei de ver, se não meus descendentes, a Academia aberta em lugar que é seu, a biblioteca robusta desempoeirada e a cidade cultuando a literatura no real templo das letras campinenses.