A Coleta Seletiva em Edifícios na Paraíba
Talden
Farias
A Assembléia Legislativa
do Estado da Paraíba aprovou recentemente a Lei n. 10.041/2013, que tornou
obrigatória a coleta seletiva nas edificações residenciais com mais de três
andares. Essa lei, de iniciativa do deputado estadual Raniery Paulino (PMDB),
foi publicada no Diário Oficial do Estado no dia 10 de julho de 2013, e entrará
em vigor somente 90 dias depois.
É claro que o objetivo
desse hiato entre a publicação e a vigência da norma é fazer com que a
sociedade tome conhecimento da nova obrigação e o Poder Público possa se
estruturar para implementar um sistema efetivo de fiscalização. A coleta
seletiva é definida no inciso III do art. 8º da Lei Federal n. 12.305/2010, que
institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos, como “os sistemas de
logística reversa e outras ferramentas relacionadas à implementação da
responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos”.
No caso em análise, a obrigação
a ser exigida diz respeito à separação dos resíduos domésticos em recipientes
específicos para papel, plástico, metal e vidro. Cuida-se de uma medida essencial
para os catadores e para toda a cadeia que trabalha com a reutilização, o
reaproveitamento e a reciclagem dos materiais citados, de maneira que a
importância econômica e social do procedimento é patente.
Do ponto de vista
ecológico a relevância é ainda maior, uma vez que se consome uma quantidade
menor de energia e de recursos naturais, além de gerar menos rejeitos. Dessa
forma, estar-se-ia contribuindo para a concretização do caput do art. 225 da Constituição Federal, segundo o qual “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
Enquanto
para alguns profissionais da área ambiental a nova lei é inovadora e
vanguardista, para outros a mesma é ultrapassada e de pouca aplicabilidade
prática. Com efeito, na opinião desses críticos essa lei seria inútil por
trazer obrigações já previstas na Lei Federal n. 12.305/2010, e
também por não estabelecer sanções ao seu descumprimento.
Ocorre que essa não é
exatamente a realidade. O art. 9º do Decreto Federal n. 7.404/2010 dispõe que a
implantação da coleta seletiva é essencial para a disposição final
ecologicamente adequada dos rejeitos, cujo prazo final foi marcado para o dia 2
de agosto de 2014 no art. 54 da mencionada lei federal.
O entendimento predominante
é que a coleta seletiva só será obrigatória depois dessa data. Por outro lado,
o § 2o do art. 9º do referido decreto federal
prevê a possibilidade de adoção inicial de uma coleta seletiva mínima, que
separa os resíduos em secos e úmidos.
Já a lei estadual entrará
em vigência no dia 9 de setembro, praticamente nove meses antes do fim do prazo
estipulado pela lei federal, implementando de plano um sistema mais complexo
que dividirá os resíduos secos em papel, plástico, metal e vidro. De pronto é
possível observar que a novel norma inovou no mundo jurídico tanto em matéria
de prazo quanto em matéria de proteção ambiental, uma vez que buscou
aperfeiçoar a coleta seletiva.
Alguém pode dizer que a
lei estadual falhou ao não fazer referência ao lixo úmido, que é aquele formado
por folhas, madeiras, papel e restos de alimento, o que não deixa de ser
verdade. Contudo, isso não é tão relevante, pois, ao determinar a separação do
lixo seco, a norma tacitamente estabeleceu a separação do lixo úmido também.
Outra diferença importante
é que a coleta seletiva prevista no § 2o do
art. 9º do decreto federal será uma obrigação do titular do serviço público de
limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos, ao passo que a coleta seletiva
prevista na lei estadual é obrigação dos condomínios e dos condôminos. Impende
dizer que, ao delimitar a aplicação da norma, o legislador abrangeu todas as
classes sociais, vez que há pobres, remediados e ricos morando em edificações
residenciais com mais de três andares.
A medida é interessante
porque possibilita a responsabilização da coletividade e não apenas do Estado
ou dos segmentos empresariais, visto que nenhuma política ambiental será
exitosa sem a necessária penetração nas bases populares. De mais a mais, a
defesa do meio ambiente é uma obrigação da sociedade, como estabelece o transcrito
caput do art. 225 da Carta Magna e a
própria Lei Federal n. 12.305/2010:
Art.
25. O poder público, o setor empresarial e a coletividade são
responsáveis pela efetividade das ações voltadas para assegurar a observância
da Política Nacional de Resíduos Sólidos e das diretrizes e demais
determinações estabelecidas nesta Lei e em seu regulamento.
Quanto à ausência de
punição, é preciso também fazer algumas considerações. Por se tratar de um conjunto
de normas e princípios voltados à proteção do meio ambiente e da saúde humana,
o Direito Ambiental forma um microssistema jurídico, o que faz com que nenhum
dispositivo legal possa ser interpretado de forma isolada.
O § 3º do art. 225 da Lei Fundamental determina que a conduta
considerada lesiva ao meio ambiente poderá ser responsabilizada, de forma
independente e simultânea, nas esferas administrativa, cível e criminal. No
caso, é possível verificar de plano a responsabilidade administrativa e criminal
dos condôminos e dos condomínios que deixarem de fazer a coleta seletiva nos
moldes previstos pela lei estadual.
A
responsabilidade administrativa é aquela prevista nos arts. 70 a 76 da Lei n.
9.605/98 e regulamentada pelo Decreto n. 6.514/2008, que dispõe sobre as
sanções e infrações administrativas ao meio ambiente. No caso existe uma
tipificação administrativa com previsão de aplicação de multa que pode ser
aplicada em caso de inobservância da lei estadual em análise:
Art.
62. Incorre nas mesmas multas do art. 61
quem:
I -
tornar uma área, urbana ou rural, imprópria para ocupação humana;
II -
causar poluição atmosférica que provoque a retirada, ainda que momentânea, dos
habitantes das áreas afetadas ou que provoque, de forma recorrente,
significativo desconforto respiratório ou olfativo;
II -
causar poluição atmosférica que provoque a retirada, ainda que momentânea, dos
habitantes das áreas afetadas ou que provoque, de forma recorrente, significativo
desconforto respiratório ou olfativo devidamente atestado pelo agente autuante;
III -
causar poluição hídrica que torne necessária a interrupção do abastecimento
público de água de uma comunidade;
IV -
dificultar ou impedir o uso público das praias pelo lançamento de substâncias,
efluentes, carreamento de materiais ou uso indevido dos recursos naturais;
V -
lançar resíduos sólidos, líquidos ou gasosos ou detritos, óleos ou substâncias
oleosas em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou atos
normativos;
VI -
deixar, aquele que tem obrigação, de dar destinação ambientalmente adequada a
produtos, subprodutos, embalagens, resíduos ou substâncias quando assim
determinar a lei ou ato normativo;
VII -
deixar de adotar, quando assim o exigir a autoridade competente, medidas de
precaução ou contenção em caso de risco ou de dano ambiental grave ou
irreversível; e
VIII -
provocar pela emissão de efluentes ou carreamento de materiais o perecimento de
espécimes da biodiversidade.
IX -
lançar resíduos sólidos ou rejeitos em praias, no mar ou quaisquer recursos
hídricos;
X -
lançar resíduos sólidos ou rejeitos in natura a céu aberto, excetuados os
resíduos de mineração;
XI -
queimar resíduos sólidos ou rejeitos a céu aberto ou em recipientes,
instalações e equipamentos não licenciados para a atividade;
XII -
descumprir obrigação prevista no sistema de logística reversa implantado nos
termos da Lei n. 12.305, de 2010, consoante as responsabilidades específicas
estabelecidas para o referido sistema;
XIII - deixar de segregar resíduos sólidos na forma estabelecida
para a coleta seletiva, quando a referida coleta for instituída pelo titular do
serviço público de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos;
XIV -
destinar resíduos sólidos urbanos à recuperação energética em desconformidade
com o § 1º do art. 9º da Lei n. 12.305, de 2010, e respectivo regulamento;
XV - deixar
de manter atualizadas e disponíveis ao órgão municipal competente e a outras
autoridades informações completas sobre a realização das ações do sistema de
logística reversa sobre sua responsabilidade;
XVI - não
manter atualizadas e disponíveis ao órgão municipal competente, ao órgão
licenciador do SISNAMA e a outras autoridades, informações completas sobre a
implementação e a operacionalização do plano de gerenciamento de resíduos
sólidos sob sua responsabilidade; e
XVII -
deixar de atender às regras sobre registro, gerenciamento e informação
previstos no § 2º do art. 39 da Lei n. 12.305, de 2010.
§ 1º As
multas de que tratam os incisos I a XI deste artigo serão aplicadas após laudo
de constatação.
§ 2º Os
consumidores que descumprirem as respectivas obrigações previstas nos sistemas
de logística reversa e de coleta seletiva estarão sujeitos à penalidade de
advertência.
§ 3º No
caso de reincidência no cometimento da infração prevista no § 2º poderá ser
aplicada a penalidade de multa, no valor de R$ 50,00 (cinquenta reais) a R$
500,00 (quinhentos reais).
§ 4º A
multa simples a que se refere o § 3o pode ser convertida em serviços de
preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente.
§ 5º Não
estão compreendidas na infração do inciso IX as atividades de deslocamento de
material do leito de corpos d’água por meio de dragagem, devidamente licenciado
ou aprovado.
§ 6º As
bacias de decantação de resíduos ou rejeitos industriais ou de mineração,
devidamente licenciadas pelo órgão competente do SISNAMA, não são consideradas
corpos hídricos para efeitos do disposto no inciso IX.
Parágrafo
único. As multas de que trata este
artigo e demais penalidades serão aplicadas após laudo de constatação.
Art.
61. Causar poluição de qualquer natureza
em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que
provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da
biodiversidade:
Multa de
R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais).
Parágrafo
único. As multas e demais penalidades de
que trata o caput serão aplicadas após laudo técnico elaborado pelo órgão
ambiental competente, identificando a dimensão do dano decorrente da infração e
em conformidade com a gradação do impacto.
Na hipótese
de duvida quanto ao enquadramento legal, visto que o dispositivo anterior faz
referencia à instituição da referida coleta pelo titular do serviço público de
limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos, o que não corresponde ao caso em discussão,
é perfeitamente possível fazer uso também da seguinte tipificação administrativa
prevista no mesmo decreto, desde que para isso houvesse a advertência ou notificação
prévia:
Art. 80. Deixar de
atender a exigências legais ou regulamentares quando devidamente notificado
pela autoridade ambiental competente no prazo concedido, visando à
regularização, correção ou adoção de medidas de controle para cessar a
degradação ambiental:
Multa de R$ 1.000,00 (mil reais) a R$ 1.000.000,00 (um milhão
de reais).
Já a
responsabilidade criminal está prevista nos arts. 29 a 68-A da Lei n. 9.605/98,
que tipificam os crimes contra o meio ambiente. Em função da expressa previsão
legal e da inquestionável importância ecológica, o descumprimento da norma em
tela configura crime ainda que não haja notificação previa, sendo admitida,
inclusive, a modalidade culposa:
Art. 56.
Produzir, processar, embalar, importar, exportar, comercializar, fornecer,
transportar, armazenar, guardar, ter em depósito ou usar produto ou substância
tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com
as exigências estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos:
Pena -
reclusão, de um a quatro anos, e multa.
§ 1º Nas
mesmas penas incorre quem:
I -
abandona os produtos ou substâncias referidos no caput ou os utiliza em
desacordo com as normas ambientais ou de segurança;
II -
manipula, acondiciona, armazena, coleta, transporta, reutiliza, recicla ou dá
destinação final a resíduos perigosos de forma diversa da estabelecida em lei
ou regulamento.
§ 2º Se o
produto ou a substância for nuclear ou radioativa, a pena é aumentada de um
sexto a um terço.
§ 3º Se o
crime é culposo:
Pena -
detenção, de seis meses a um ano, e multa.
Em ultimo caso, cuida-se do descumprimento de
obrigação de relevante interesse ambiental, situação também punível pela mesma
lei:
Art. 68.
Deixar, aquele que tiver o dever legal ou contratual de fazê-lo, de cumprir
obrigação de relevante interesse ambiental:
Pena -
detenção, de um a três anos, e multa.
Parágrafo
único. Se o crime é culposo, a pena é de três meses a um ano, sem prejuízo da
multa.
Em vista disso, é possível
afirmar que existem sim sanções ao descumprimento da Lei Estadual n.
10.041/2013, quer no campo administrativo quer no campo criminal,
independentemente da obrigação de reparar os danos causados, já que a
responsabilidade civil em matéria ambiental é objetiva por força do § 3º do
art. 225 da Constituição da República e do art. 14 da Lei n. 6.938/81. Isso
significa que a mesma está longe de ser ultrapassada e de pouca aplicabilidade
prática, a não ser que o Poder Público (notadamente os órgãos ambientais e o
Ministério Público, já que a Assembléia Legislativa fez a sua parte) e a
coletividade se eximam inteiramente da sua obrigação de implementá-la.
É claro que a lei possui
falhas mais relevantes do que a não previsão de penalidade específica e a não
referência ao lixo úmido, a exemplo da não consideração das edificações
residenciais com menos de três andares e grande produção de resíduos e da não
abrangência dos condomínios horizontais e das edificações empresariais. De
qualquer forma, isso já é um passo a caminho do futuro, uma vez que se espera
para muito breve o instante em que todas as pessoas e instituições no país façam
e promovam a coleta seletiva, colocando em prática o ideal de “não geração,
redução, reutilização, reciclagem e tratamento dos resíduos sólidos, bem como disposição
final ambientalmente adequada dos rejeitos” previsto no inciso II do art. 7º da
Lei Federal n. 12.305/2010.