segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

"O Amor e a Metáfora"

A crônica transcrita abaixo foi escrita por mim há aproximadamente doze anos, quando eu estudava Direito na Universidade Estadual da Paraíba e Letras no campus II da Universidade Federal da Paraíba (hoje campus I da Universidade Federal de Campina Grande). Naquela época, eu ainda achava que o meu destino seria a carreira de professor de Teoria da Literatura, sonho que abandonaria definitivamente alguns anos depois.

Minha dedicação à literatura era considerável no que diz respeito à questão temporal, pois parte significativa do meu dia era sempre reservado à leitura e à escrita. Por isso, foi uma grande decepção quando finalmente conclui que não tinha vocação nem bagagem de leitura para ser um literato.

O gênero literário que mais gosto é o conto. Daí meus escritores favoritos serem Edgar Allan Poe, Jorge Luis Borges, Machado de Assis, Murilo Rubião e Rubem Fonsêca. A mim sempre fascinou o caráter coerente e linear dos contos, cuja trama é mais objetiva e não se perde em tantos labirintos quanto o romance.

A despeito disso, confesso que nunca sequer tentei escrever um conto. Os gêneros que procurei percorrer foram a poesia e a crônica, a qual na época me pareceu a única prosa possível. Inclusive, concordo com os que afirmam que a crônica é um gênero literário genuinamente brasileiro, porque foi adotado e cultiva neste país como em nenhum outro.

Com efeito, o Brasil é pródigo em grandes cronistas, a exemplo de Antônio Maria, João do Rio, Rubem Braga, Vinícius de Moraes. Na Paraíba, é possível citar Carlos Romero, Edmundo Gaudêncio, Gonzaga Rodrigues e o falecido Robério Maracajá.

Eu me arrisquei a escrever umas poucas crônicas, talvez sete ou oito no total. Uma delas é essa que está transcrita abaio e que foi intitulada "O amor e a metáfora":


A avenida principal parecia não ter mesmo um fim. Por mais que eu caminhasse, meu olhar teimava em se perder na imensidão de casas e edifícios e terrenos e praças de uma cidade desconhecida, embora de alguma forma familiar. A arquitetura antiga e as cores sóbrias, além do fato de não haver nenhum tipo de automóvel ou paramentos eletrônicos ali, traziam-me a sensação de estar perdido em um passado remoto. Contudo, mesmo estando percorrendo há mais de três horas aquelas calçadas, pessoa alguma tinha aparecido nem qualquer voz ou movimentação humana tinham sido notadas por mim. Mas estranheza de verdade me causava o enorme e inexplicável desejo que eu sentia de continuar andando, ainda que não soubesse por que nem para onde ou até quando.

Todavia, exatamente quando eu passava em frente a um lugar muito semelhante a um templo greco-romano, imaginei ter escutado o pranto de alguém. Prostei-me por certos minutos diante daquele prédio imenso a admirar a beleza de suas colunas e vitrais, até finalmente decidir subir as escadas que me levariam ao seu interior. Lá dentro me deparei, na penumbra do que mais tarde percebi ser uma igreja, com um homem sentado no canto de uma parede a chorar e a se lamentar copiosamente. Ele devia ter pelo menos uns quarenta anos de idade e aparentava muita melancolia. Assim que me viu o estranho perguntou em tom de súplica:

Por favor, você poderia me explicar o que é o amor?...

É óbvio que aquela pergunta me deixou desconcertado, ainda mais naquelas circunstâncias misteriosas. Por um segundo me lembrei de algumas definições sobre o amor que eu tinha lido em dicionários ou em livros de poesia ou em romances, ou que simplesmente tinha escutado em letras de música ou assistindo a filmes ou a peças de teatro. Mas quando eu ia começar a pronunciar algo, os meus lábios tomaram um rumo próprio e inesperado. Para a minha surpresa eu passei a falar coisas nas quais sequer jamais tinha pensado:

— O amor é como um espelho. O indivíduo tomado por esse sentimento vê no sofrimento do outro a extensão da sua própria dor e sente na alegria alheia o seu gozo mais intenso. Quando se ama, mesmo que pouco ou nada se saiba a respeito do ser amado, é possível intuir ou adivinhar o que há de mais insondável na alma dessa pessoa. Não se diz corriqueiramente que o amor é capaz de deixar a alma com o tamanho do Universo? É que, em se estando amando, a alma se expande até abarcar o universo da outra pessoa, que passa a também ser o seu, do mesmo modo que um espelho que se transforma em tudo aquilo que reflete. Essa é a razão por que o mundo dos que se amam se torna muito mais amplo e interessante.

Talvez porque aquele homem ainda fitasse com profundidade os meus olhos, eu prossegui com a minha explanação:

— O amor é como uma janela. Cabe imaginar um ser humano perdido em um quarto ou uma sala, limitada à mesmice cotidiana das quatro paredes. De repente ele se apercebe da existência de uma janela, que sempre esteve a sua frente embora ele não reparasse, e resolve abri-la. Ao fazer isso ele encontra as mais variadas pessoas, paisagens e casas, alguma das quais nunca poderia supor que existissem. A um só tempo, então, essa pessoa se divide entre a vontade de saltar e conhecer o novo e o medo de cair e se machucar gravemente. Todavia, sempre o melhor a se fazer é pular e percorrer aqueles caminhos antes somente vistos da janela, pois, se as coisas idealizadas são belas, as que se vive são melhores posto que reais. Um amor que apenas se contempla é o maior obstáculo para se amar efetivamente.

Como eu não me sentia satisfeito, ou simplesmente porque a inspiração tinha me tocado o espírito naquele dia, arrisquei ainda uma terceira resposta:

— O amor é como um oceano. A princípio se pode contemplá-lo de longe, com igual encantamento ao de uma criança que pela primeira vez vislumbra o fogo ou o deserto ou uma ventania. Mas o oceano chama para adentrá-lo, e esse chamamento é quase uma ordem e também um mistério. Põe-se o pé esquerdo e depois o direito, quando normalmente se olha para trás em uma espécie de despedida. Gradualmente a água cobre o joelho, a cintura, o tórax, os ombros, o queixo, os olhos. Quando todo o corpo estiver imerso na água já não se é a mesma pessoa de antes, pois de certa forma o indivíduo quando ama abdica de sua personalidade para se tornar o oceano inteiro. Ele se transforma em todos os homens que amam, que amaram ou que algum dia amarão sobre a face da Terra. Ele terá sido, enfim, absolvido pelo sentimento amor.

Ao terminar o discurso percebi que aquele homem ainda chorava, exatamente como quando o encontrei. Nesse instante me dei conta de que ele não havia me perguntada coisa alguma, assim como eu também não lhe respondi nada. Tudo tinha acontecido devido a um devaneio da minha imaginação ou por causa de uma sugestão do meu inconsciente. Tentei, então, falar para ele todas aquelas coisas sobre o amor que em algum momento eu imaginei ter dito, mas subitamente comecei a gaguejar e meu corpo começou a tremer cada vez mais e mais forte. Somente aí eu abro os olhos e vejo que estou deitado em minha cama. Com decepção ou alívio eu concluo que tudo aquilo não passou de um simples sonho e acendo um cigarro para relaxar antes de tentar voltar a dormir.

Após um certo tempo olhando para o teto do meu quarto eu consigo adormecer e acabo sonhando que estou de volta àquela mesma cidade, ainda a caminhar pelas ruas. Tudo estava exatamente do mesmo jeito, exceto pelo fato de que desta vez havia gente por todos os lados. Mulheres de meia idade caminhavam segurando sombrinhas, crianças brincavam pelas calçadas, homens retiravam com elegância os chapéus da cabeça para se cumprimentarem, famílias ou casais trafegavam em charretes. Um homem trajando um terno marrom veio a mim e me saldou com certo entusiasmo. Eu o reconheci como a pessoa que estava chorando dentro daquela igreja antiga, com quem eu teria tido aquela conversa imaginária. Com surpresa percebo que ele está alegre e sereno, sem transmitir o desespero de antes. Ele então, sem esperar que eu dissesse qualquer coisa, começou a falar:

— Perdoe-me por eu não ter prestado a devida atenção às suas bonitas palavras. Mas você deveria saber que um sentimento tão sublime quanto o amor, o sentimento que mais torna o homem próximo de Deus, jamais deveria estar limitado a uma simples e vil metáfora. O amor não se prende a nascida, muita menos a palavras. É um sentimento do qual nada se sabe e tudo se vive, e os que pouco dele sabem nunca sabem realmente.

Quando me disse aquilo ele foi embora, e eu me sentei no meio fio e fiquei observando as pessoas que iam e vinham e voltavam de e para todos os lugares. Nessa hora uma brisa suave me beijou o rosto e soprou os meus cabelos e por algum instante pude sentir que aquela era a única realidade e que tudo o mais é que era um sonho.

2 comentários:

Anônimo disse...

Lindo!E forte!!!

Anônimo disse...

Parabéns, Talden, muito emocionante, e capaz de nos levar de mãos dadas ao passeio que nos conduz durante a escrita. Parabéns!