sexta-feira, 20 de março de 2009

A Semana da Árvore e Gilberto Freyre



De 23 a 27 de março o Nordeste comemora a Semana da Árvore. Para celebrar a data a Secretaria do Meio Ambiente da Prefeitura de João Pessoa organizou uma agenda comemorativa que envolve apresentações, distribuição de mudas, plantio de árvores e lançamento de campanhas de conscientização. Qualquer iniciativa nesse sentido merece os parabéns, mormente em se tratando da cidade mais verde do planeta depois de Paris, de acordo com classificação feita na Conferência da Organização das Nações Unidas de 1992.

Infelizmente, na maioria dos outros Municípios paraibanos a questão sequer tem sido minimamente discutida. Não é sem motivo que o cenário desolador da desertificação está começando a tomar conta do Estado, especialmente na porção semi-árida. Que o diga o professor Daniel Duarte Pereira, da Universidade Federal da Paraíba, autoridade no estudo do tema.

Contudo, mesmo na capital há muito o que pode ser feito, pois nela existem zonas arborizadas e outras completamente desarborizadas. Além do mais, nos últimos anos a pressão imobiliária local se tornou muito feroz tendo em vista o grande número de pessoas de outros Estados e de outros países que se estabelecem aqui no intuito de desfrutar da nossa qualidade de vida, o que exige uma atuação muito mais rigorosa dos órgãos ambientais.

Impende recordar o caso de Taperoá, em que o então prefeito Deoclésio Moura determinou a supressão de quase todas as árvores em perímetro urbano, justificando que aquilo seria necessário à implementação de um grande projeto de arborização. Depois de quase quatro anos após a prática do crime, nenhuma medida foi tomada pela edilidade, apesar da ação civil pública interposta pela Associação Nordestina de Defesa dos Ecossistemas. Como os nossos gestores, de uma forma geral, são insensíveis às questões ambientais!

Como o objetivo deste texto é proporcionar uma reflexão sobre as árvores e a nossa relação com elas, passarei a transcrever um trecho de um artigo de Gilberto Freyre sobre o assunto. Autor de obras importantes como “Casa grande e senzala”, “Sobrados e mucambos” e “Nordeste: aspectos da influência da cana sobre a vida e a paisagem...” e cientista social internacionalmente respeitado, ele foi também um dos precursores do ambientalismo do Nordeste e do Brasil.

Por exemplo, partiram de Freyre as primeiras denúncias representativas contra a degradação dos rios nordestinos pela cana-de-açúdar. Pois bem, o trecho transcrito foi retirado do capítulo “O Recife e as árvores”, do livro “Estudos nordestinos de meio ambiente”, organizado por Lucivânio Jatobá e publicado pela Fundação Joaquim Nabuco em 1986:

(...)

Economicamente, a árvore criou o Brasil e nos deu nome à pátria: nós quase saímos da “ibira-pitanga”. Ou do pau-brasil.

E diante de uma cruz de pau, talvez do próprio pau-brasil, se disse a Primeira Missa. De modo que, também espiritualmente, nós procedemos e dependemos das árvores.

Mais tarde, querendo os colonos nossos avós, deitar raízes na terá em bruto, ligar-se à terra, foi a cinza das árvores queimadas que lhes adubou os terreiros para aquela produção de “cento por um” de que fala Oliveira Martins; passando da agricultura à indústria, ainda a árvore foi o nosso recurso para moer a cana, sendo de madeira os cilindros das moendas, de madeira, as rodas d’água, de maneira os aquedutos para correr o caldo, de madeiro os carros de boi cujo guincho de rodas adstringentes deu por tanto tempo à nossa vida um não sei que de deliciosamente ingênuo.

Depois o vapor. E ainda a árvore a se sacrificar maternalmente por nós; dando-se às rumas e hectares, aos engenhos, às usinas, às fábricas, às locomotivas, às mil e umas bocas com fome de combustível escancaradas para as matas. Veio então a era, que é ainda a nossa, das grandes derrubadas para combustível. Começamos a iludir o alto preço do carvão – diga-se no vivo pitoresco do seu verbo ágil, o grande apaixonado do assunto que foi Euclides da Cunha – “atacando em cheio a econômica da terra e diluindo cada dia no fumo das caldeiras alguns hectares da nossa flora”.

E não esqueçamos que uma árvore, a carnaubeira, por séculos alumiou o Brasil com o seu azeite.

Ora, vede: devemos tudo à árvore. Somos filhos da árvore – e de tão generosa maternidade temos abusado com um monstruoso sadismo de filhos que se alimentassem e se regalassem das entranhas maternas. A tragédia de Ugolino virada pelo avesso.

Talvez em nenhum país se tenha em tão baixa conta o problema das reservas florestais como no Brasil. Os gritos de alarme se sucedem com uma estridência de gritos carnavalescos; e com o mesmo resultado dos “gritos de socorro” das vozes carnavalescas: ouvem-nas todos bem clara, mas ninguém as toma a sério. E as reservas florestais do Brasil, sobretudo no Nordeste, se vão reduzindo à melancolia das últimas jóias de família. Somos os fidalgos arruinados do pau-brasil. Já entre nós, as matas deixaram de ser aquele arvoredo “tanto o tamanho e tão basto e de tantas prumagens que não podia homem dar conta” – encanto dos primeiros cronistas. Já entre as jóias de família de fidalgos que nos arruinamos pela extravagância, rareia a ametista das sucupiras e dos angelins; rareia o rubi das ibiras-pitangas; rareia o ouro dos pau d’arcos. Donde a urgência de os salvar. Urgência que se aguça dolorosamente. Mas não é tarde...


Trata-se de um texto impressionante, especialmente se levarmos em consideração que foi escrito em 1924 - ou seja, há quase um século. O mais importante é que ele proporcione a necessária mudança de atitude nossa em relação ao tema. Que tal plantar uma árvore agora?

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