quarta-feira, 13 de maio de 2009

O Segredo e o Sagrado

A gravidez de uma amiga me foi noticiada com muita alegria por uma vizinha do prédio. Minha primeira reação foi de surpresa, depois de felicidade e, por fim, fiquei bastante reticente e reflexivo. Essa possibilidade de gerar um outro ser dentro de si há eras causa enorme fascínio, principalmente a nós, homens, que acompanhamos todo o processo sem, no entanto, poder vivê-lo e compreendê-lo realmente. Tanto é que nos tempos primitivos a gestação era considerada uma atribuição solitária e individual da mulher, que em decorrência disso era reverenciada como uma deusa ou uma réplica fiel da Grande Mãe. Por causa dessa capacidade, a mulher sempre foi para mim um ser diferente, inacessível, portadora de um mistério que as torna por um momento mais que simplesmente humanas.

Com um certo deslumbramento até, eu tentava sentir através da imaginação tudo pelo que o corpo ou a mente dessa minha amiga pudessem estar passando. Imaginei a sua barriga crescendo e o corpo se modificando de diversas formas ao longo dos nove meses. Imaginei-a sentindo palpitações e movimentos em sua barriga, no instante em que ela e o seu companheiro, também um bom amigo meu, tentam se comunicar com o bebê, para talvez saber o seu sexo ou poder lhe adivinhar o signo, o ascendente e as características do temperamento. Imaginei que durante esse processo todos os pensamentos, as emoções e a alimentação dela seriam também os da criança, e que isso influenciaria de forma marcante a trajetória e a personalidade desse ser. Imaginei o casal a imaginar o mundo como se tivesse sido feito para essa criança, ou como se fosse realmente essa criança.

Num outro momento, meus pensamentos partiam para mais distante, perdidos em dúvidas, apreensões, realidades e sonhos. Colocando-me no lugar da mãe, às vezes eu sonhava uma menina, perguntando-me se ela seria bonita, se ela dançaria balé, se teria muitos namorados, se leria muitos livros, se pintaria quadros em cores fortes, se escreveria um poema ao cair da noite, se seria médica, hippie ou professora de meditação. Outras vezes, quando sonhando um menino, eu me perguntava se ele empinaria pipa ou jogaria bola na rua, como fez o seu pai na sua pequena cidade natal, ou se ele amaria perdidamente uma mulher, se faria viagens ao redor do mundo, se praticaria esportes, se ganharia muito dinheiro, se seria advogado, sacerdote, músico ou dentista. E, em meio a tantos questionamentos, pude ver no semblante da minha amiga que o único que lhe importava dizia respeito à felicidade ou não dessa criatura que em breve nascerá.

Lembrei-me que o parto, esse instante em que dor, prazer, alegria e transcendência se misturam numa grande e irracional eclosão, marcaria definitivamente a fronteira entre o sonhar e o ter a criança. No momento em que o bebê, a placenta e as membranas fetais forem expelidos do aparelho reprodutor materno, segundo algumas tradições religiosas de origem africana, a passagem ou existência dos genitores pelo planeta estará dali em diante devidamente justificada e validada. Para eles um homem que não procriar deixa de cumprir a sua mais básica missão, a de dar continuidade à descendência dos seus bisavós, e dos bisavós de seus bisavós. Escrever um livro, plantar árvores, fazer uma escultura, projetar casas e edifícios, pintar quadros ou arrumar acordes em forma de canção também seriam formas de se eternizar, mas somente o gestar e o parir é que nos colocam em contato com o divino de uma forma mais xamânica e, portanto, mais direta e profunda.

Desde que me comunicaram a sua gravidez, meu impulso foi o de visitar essa amiga querida, de dar os parabéns a ela e ao seu companheiro, de lhe levar alguma lembrança ou de lhe dizer palavras bonitas e otimistas. Todavia, diante de coisas maiores como o sol, a lua, o nascimento, a morte, a chama de uma fogueira, o cair das estrelas em uma noite no sertão ou as cores de um entardecer lilás, sentimos a inevitável necessidade de nos calarmos e ficarmos reflexivos. Por isso, cruzo os braços diante do grandioso, do incompreensível, e me sento à beira de qualquer um dos caminhos deste mundo a pensar no quanto invejo e no quanto abençôo essa amiga. Afinal de contas, depois de todo esse processo e aprendizado, acho que a minha amiga é quem nascerá realmente. Que sejam abençoados ela, o seu companheiro e o seu filho, e ainda o Destino que fez com que tudo isso acontecesse.
* Este texto foi escrito há cerca de oito anos para um portal especializado em crônicas chamado "A crônica do dia", tendo sido posteriormente publicado também no suplemento literário dominical da Gazeta do Nordeste, o jornal de maior circulação do Ceará. Por ocasião do recente dia das mães eu tentei escrever um pequeno artigo e não consegui, e somente aí me lembrei desse outro texto há tanto esquecido e resolvi republicá-lo.

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