sexta-feira, 5 de junho de 2009

Fogueiras Juninas: Valem a Pena?


O artigo abaixo reproduzido é de autoria de Dr. José Eulâmpio Duarte, atuante Promotor de Justiça de Meio Ambiente do Município de Campina Grande, Paraíba. O objetivo é levantar a discussão a respeito das fogueiras, um grave problema ambiental que afeta o Nordeste no período junino. Eis o texto:

Desde 2004, atendendo a um pleito da Associação Campinense de Pneumologia, e da APAM (Associação de Proteção Ambiental), o Ministério Público, através da Promotoria de Defesa do Meio Ambiente de Campina Grande (Curadoria do Meio Ambiente), vem fazendo um trabalho de conscientização na comunidade, alertando para os riscos que a fumaça produzida pelas fogueiras oferece a cerca de 32 mil pessoas alérgicas na cidade de Campina Grande.

Segundo o médico, Dr. Juarez Ritter, essa fumaça provoca crises respiratórias, aumentando em mais de 50% os internamentos hospitalares, especialmente em crianças e idosos, culminando às vezes até com o óbito.

Durante todo esse tempo, o Ministério Público, juntamente com as ONGs de defesa do meio ambiente e com órgãos ambientais e de saúde ocuparam as emissoras de rádio, jornais e televisão, além promoverem palestras com professores e estudantes, objetivando conscientizar a população sobre o risco que milhares de fogueiras oferecem à saúde pública e ao meio ambiente.

Em 2006 e 2007, em parceria com a Coordenadoria do Meio Ambiente do Município, foram distribuídos nas escolas de ensino fundamental, anualmente, cerca de 10 mil folhetos de cordel, de autoria do poeta Manoel Monteiro, com o título São João Sem Fogueira e Sem Balão, advertindo a população para os riscos das fogueiras.

Em 2008, além das instituições já citadas, juntaram-se ao pedido contra a poluição atmosférica produzida pela fumaça das fogueiras, a superintendência da INFRAERO, mostrando os riscos que as aeronaves correm,no espaço aéreo de Campina Grande, notadamente no momento de aproximação para o pouso no aeroporto João Suassuna, em razão da cortina de fumaça produzida pelas fogueiras, e o Corpo de Bombeiros, que apresentou sua preocupação, em razão da dificuldade de acessibilidade para atender os pedidos de socorro, em virtude das pistas de rolamento se encontrarem ocupadas pelas fogueiras. Apesar do investimento de todas essas instituições, na tentativa de reduzir os riscos, há inda quem insista nessa prática. Alguns católicos, por exemplo, alegam que fazem fogueiras por motivos religiosos. Sobre essa crença, convém citar duas autoridades no assunto: Dom Jaime Vieira de Melo – Bispo de Campina Grande – e Dom Aldo Pagotto – Arcebispo da Paraíba. O primeiro, atendendo a uma consulta da Câmara de Vereadores de Campina Grande, no dia 28 de maio de 2005, pronunciou-se através dos jornais desta da seguinte forma: “O mundo está em degradação ambiental com o efeito estufa, que tem esquentado a terra e acelerado a desertificação, devendo por isso a sociedade repensar a cultura em favor da qualidade de vida”.

Enfatizando ainda o que disse o Bispo de Campina Grande, o jornal comenta: “(....) Dom Jaime Vieira entende que a saúde pública e a questão do meio ambiente estão em primeiro lugar comparados à tradição junina. Para ele a qualidade de vida é mais importante, devendo por isso haver uma consciência nas pessoas, não só no sentido de acabar com a tradição, mas de diminuir a queima de lenha e, conseqüentemente a fumaça, os problemas respiratórios, o desrespeito à natureza etc.”

Já o segundo, em artigo publicado no dia 25 de maio de 2008, no Correio da Paraíba, assim se expressou: “Espero que as autoridades tomem alguma providência e orientem a população sobre a inconveniência de ascender fogueiras. Seria urgente a veiculação de alguma propaganda nesse sentido alertando pedagogicamente o povo. Que tal? (...) Diante da devastação da natureza não é mais possível sustentar as “fogueiras de São João”. Hoje não podemos mais incentivar e promover queimadas (maiores ou menores), pois isso representará uma lesão considerável ao meio ambiente (...) Promover o expediente das fogueiras juninas seria sinal de descaso inconseqüente para com o eco-sistema. Não há mais como aprovar tal simbologia que é lendária e não religiosa. (...) Segue-se logicamente que podemos ceder o espaço das antigas fogueiras de São João, repensando em adornos com produtos da época tendo talvez uma vela acesa no centro (...) repetindo, fogueiras não fazem parte de rituais religiosos católicos. Não devemos mistificar a idéia das fogueiras.”

Esses posicionamentos reforçaram a posição da Curadoria do Meio Ambiente que ao RECOMENDAR, desde 2004, aos órgãos ambientais para atuarem no combate à venda de lenha irregular, ou seja, daquela madeira que esteja exposta à venda sem a devida licença do órgão ambiental competente, e que façam cumprir a Lei Municipal, que no art. 308, veda as fogueiras sobre o asfalto e o inciso II, do art. 62, do Decreto 6.514/2008, que estabelece: incorre nas mesmas multas do art. 61 quem: causar poluição atmosférica que provoque a retirada, ainda que momentânea, dos habitantes das áreas afetadas ou que provoque, de forma recorrente, significativo desconforto respiratório ou olfativo, tem dois objetivos.

O primeiro é o interesse da saúde pública, já que as milhares de fogueiras criam uma cortina de fumaça sobre a cidade, afetando toda população, e em especial, as pessoas alérgicas. O segundo é o combate à degradação ambiental, uma vez que para fazer as fogueiras juninas, acentua-se o desmatamento de nossa Caatinga (único bioma no mundo, só existente no Nordeste brasileiro), com sua fauna e flora de espécies raras, algumas endêmicas, que sequer foram catalogadas, e consequentemente avaliadas pela comunidade científica. Esse desmatamento desmedido está contribuindo para que a Paraíba ocupe o primeiro lugar entre os estados brasileiros no processo de desertificação.

Somando-se aos argumentos dos que defendem a fogueira como símbolo religioso, estão aqueles que defendem o seu uso, no mês de junho, como uma tradição. Ora, em Campina Grande, acender fogueiras juninas nunca foi uma tradição, pelo contrário, desde 1927 estas são proibidas pela Lei nº. 32, de 14 de dezembro de 1927, (Código de Postura do Município de Campina Grande), que no art. 289 estabelecia: “Não é permitido fazer fogueira nas ruas e praças da sede e das povoações, por ocasião dos festejos de S. Antônio, S.João e S. Pedro, como ainda quaisquer fogueiras para serem aproveitadas em qualquer serviço. Multa de 10$000 e obrigação para os infractores, de remoção da fogueira.”

Portanto, desde 1927, já se protegia a saúde da população contra a poluição atmosférica produzida pela fumaça das fogueiras. Hoje, continuamos combatendo esse tipo de poluição, que comprovadamente causa tantos males, atragvés da distribuição de folhetos de cordel, de matérias divulgadas em rádios, jornais, TVs, revista CONVIVER, de palestras de médicos, para professores e estudantes, entre tantas outras ações.

Os resultados do nosso trabalho de conscientização, nos últimos quatro anos, apontam para uma significativa mudança de comportamento da população, sendo nítida a redução do número de fogueiras acesas nesta cidade. Na Rua Vigário Calixto, por exemplo, num quarteirão, no ano de 2004, havia 103 fogueiras. Já em 2008, apenas quatro. Portanto, o povo está entendendo os malefícios das fogueiras e contribuindo decisivamente para a redução dessa prática.

Já falaram e escreveram muita coisa sobre esse assunto. Tudo foi recebido democrática e respeitosamente. Dentre os que se pronunciaram, merece destaque o artigo do jornalista Germano Romero, publicado no dia 18 de junho de 2008, no jornal A União, o qual retrata fielmente o objetivo do Ministério Público da Paraíba, através da Curadoria do Meio Ambiente de Campina Grande, quando escreve: “Brinque São João sem fogueira e sem balão – que ótima idéia! A curadoria de Campina Grande dá uma lição de consciência ecológica com uma campanha que já ecoa nos sentimentos de respeito à natureza.”

Também digno de realce é o artigo da Dra. Ijanileide Gabriel de Araújo, médica pneumologista, publicado na revista CONVIVER, de junho de 2008, ratificando os danos causados pelas fogueiras à saúde pública: “Essas fogueiras, além de contribuírem substancialmente para destruição da caatinga e das florestas secundárias colaboram para o aumento da quantidade de CO² jogado na atmosfera, poluindo-a ainda mais. A inalação dessa substância, liberada pela queima das fogueiras, causa fadiga e dor torácica em pacientes com patologia isquêmica do miocárdio. Em maior concentração causa: visão borrada, distúrbio de coordenação, cefaléias, tontura, confusão, náusea e eritema cutâneo, reversível tão logo se saia do ambiente. A inalação de altas concentrações de CO² pode ser fatal. ... a Fumaça, advinda dessas fogueiras, causa moléstias que se instalam no sistema respiratório dos seres humanos. A fumaça é um grande irritante das vias respiratórias e isso pode desencadear crises de rinite e também de asma, exacerbação da doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), sinusites, laringites, traqueítes e bronquites agudas causando grande desconforto para os pacientes. Os asmáticos e os alérgicos, em geral, sabem o que isso significa e o tormento causado. Os hospitais públicos e privados sofrem um expressivo aumento de demanda por atendimento emergencial nessas noites e nos dias subsequentes aos das fogueiras. ... A tradição de acender fogueiras nas festas juninas precisa ser combatida pelo mal que causa à natureza e às pessoas. No momento, resta-nos aconselhar aos alérgicos que se afastem ao máximo das fogueiras. O ideal é ir para a casa de um parente distante e ficar longe da fumaça. Se isso não for possível, vale fechar bem as portas e janelas e usar a velha tática de colocar toalha molhada nas fendas. No caso do asmático, é necessária a elaboração de um plano prévio pelo médico (com incremento da medicação) para o caso de ocorrerem as crises.”

Finalizo com versos do poeta cordelista Manoel Monteiro:
Fazer fogueira pra santo
O santo não acha graça
Pois desperdiça madeira,
Enche o mundo de fumaça,
Queima a fiação da rua
E a luz da lua embaraça

José Eulampio Duarte.
Promotor de Justiça – Coordenador do 2º CAOP

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